É possível colectar e adicionar a base de dados da plataforma História Social de Angola memórias de angolanos e de nascidos em Angola que se tornaram líderes e políticos, pois ninguém nasce político, é desafiante? No caso de Vítor Ramalho as memórias marcantes da terra onde nasceu, Caála, Angola e dos seus tempos de estudante universitário em Lisboa envolvem a amizade com dois amigos de todos os dias , Justino Pinto de Andrade e Alexandre do Nascimento.
Neste depoimento retrata o envolvimento de ecumenicos na luta de libertação nacional e de se ter apercebido aos dezessete anos o que viria acontecer, Angola seria libertada pelos seus filhos. A religião desempenha um papel importante na sociedade civil e junto às comunidades, por isso é parte integrante da história social dos países, porém dá este depoimento é realizado durante um cenário pantanoso onde as novas gerações serão as maiores vítimas do maior foco actual de guerra ou genocidio do século XXI e por isso alerta às novas gerações de angolanos a afastarem-se de tomadas de posições pró potenciais e alerta a todos africanos a ponderação em contenciosos religiosos e a penetração de religiões fundamentalistas em alguns dos PALOP.
Em memórias marcantes, Vítor Ramalho recorda a presença da mídia em Luanda devido ao fundamento do Paquete Santa Maria e o aproveitamento dos revoltosos em realizar a revolta do 4 de Fevereiro nesta data, será um dado particular? Do período pós independência recorda a importância social do 1º Congresso de Quadros Angolanos, realizado em Lisboa, cujo maior resultado foi o regresso de quadros nacionais para o desenvolvimento económico de Angola em contexto de Paz.
Os laços com a terra onde nasceu contaram para a publicação dos 22 livros e de antologias poéticas de três países dos PALOP pela Organização que lidera a União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa. Estas e outras iniciativas contribuem para a divulgação de memórias angolanas publicadas no âmbito da UCCLA em Lisboa e este colega de carteira de Estudantes da Casa do Império avisa as novas gerações “sem memória não há futuro!”
Introdução
O meu nome é Vitor Ramalho, eu sou presentemente Secretário Geral da UCCLA que é a mais antiga instituição que foi criada em 1985 pelo Presidente da Câmara de Lisboa, Cruz Abecassis, já falecido. Esta associação é intermunicipal, internacional e tem neste momento sessenta cidades de todos os nossos países.
Infância e Juventude
Eu nasci na Caála, no planalto central, na altura não havia universidades em nenhuma colônia africana, o único território colonizado por Portugal que tinha ensino superior era Goa e um ensino superior aliás com bastante mérito, sobretudo na medicina e houve inúmeros médicos que estiveram em Angola.
Como não havia universidade eu tive de vir estudar para Lisboa na Faculdade de Direito em 1965. Neste momento tenho setenta e cinco anos. Na terra onde nasci, na Caála fiz o ensino primário numa escola pública e depois como não havia liceu, tive de o fazer no liceu de Nova Lisboa, Huambo, no Liceu Sarmento Rodrigues que tem um nome de um Almirante que foi sogro de uma personalidade de referência em Portugal depois do 25 de Abril, Gomes Mota que também era militar da Marinha.
Vim para cá estudar em 1965, acompanhei enquanto criança porque a guerra colonial como é sabido começou nesta época por volta de 1962. O MPLA foi criado nesta altura em Conacry, é preciso nós precisarmos a história, sei disso porque privei muito de perto e foi meu amigo, o primeiro presidente do MPLA Mário Pinto de Andrade, com outras personalidades que acabaram por ser marcantes na luta de libertação nacional que abraçaram a luta, um de São Tomé e Príncipe mas que abraçou a luta de libertação de Angola Hugo de Meneses cujo pai aliás era também de São Tomé e um anticolonialista, o Lúcio Lara e o Viriato da Cruz, pelo menos estas personalidades fizeram parte do núcleo central que acabou por dinamizar a criação do MPLA.
A Concepção Universalistas dos Líderes dos PALOP
Antes disso, em 1956 houve um manifesto em Angola que foi de alguma maneira digamos pronunciador da criação deste movimento em que também assinou Amílcar Cabral, mais conhecido como o Manifesto do MPLA, porquê? Porque o Amílcar Cabral na altura estava em Angola a exercer a actividade de engenheiro agrônomo, formou-se no Instituto Superior de Agronomia, depois trabalhou em Portugal, em Santarém, esteve também na Guiné e em Cabo Verde a trabalhar e em um determinado período foi colocado em Angola e dado as atitudes que ele tinha de ser anticolonialista ele entendeu também participar na criação daquilo que viria a ser mais tarde o MPLA.
É significativo que na altura houve várias personalidades que não sendo propriamente angolanas tiveram um concurso muito relevante para a criação dos partidos angolanos. Já falei de Hugo de Meneses, mas também de uma outra personalidade de São Tomé e Príncipe, Tomás de Medeiros, também já falecido.
Portanto, a concepção universalista das personalidades que embora originárias de outro território que não o território de Angola abraçaram a luta são uma constante, mas não apenas em Angola. Eu tenho presente que quando o Mário Pinto de Andrade teve de sair de Angola mercê da acção que passou a desenvolver com outros companheiros da Revolta Activa ele foi para Guinée Bissau e acabou por ser Ministro da Cultura da Guiné Bissau no governo de Luís Cabral.
Quando eu vim para Portugal portanto a luta de libertação já se tinha iniciado, eu era bastante jovem, tinha dezessete anos na altura, mas tive oportunidade de perceber o que se ia desenvolver em Angola. Para além, da criação do MPLA como é sabido tinha origem no 4 de Fevereiro de 1961 que foi “uma acção de patriotas angolanos que fizeram o assalto à cadeia de São Paulo e a outras instituições policiais”.
Isto coincidiu com o assalto ao Paquete Santa Maria, paquete português, esse assalto foi dirigido por um Capitão português, Henrique Galvão que tendo sido do regime depois revoltou-se contra o regime e dirigiu o assalto ao Santa Maria com outras personalidades espanholas que é interessante da libertação da Ibéria (era assim que eles a chamavam). No assalto que foi feito o navio estava para ser fundeado em Luanda, era intenção dos revoltosos levá-lo para Luanda (por razões de vária ordem que não há aqui possibilidades de o desenvolver), foi para a Baía, no Brasil. Estou aqui a referir este aspecto porquê?
Porque nessa altura, quando a comunidade se deu conta, sobretudo a mídia, que o navio poderia ser afundado em Luanda, um conjunto muito numeroso de jornalistas desembarcou em Luanda para cobrir o acontecimento e portanto, aí tomaram conhecimento também da realidade que Angola vivia nesta altura já com o MPLA criado e também com a FNLA.
Aliás, os acontecimentos do 4 de Fevereiro do meu ponto de vista tiveram muita espontaneidade e não foi uma coisa devidamente organizada, em termos de ímpeto, pensada longamente. Os revoltosos aproveitaram a presença de mídia em Angola e desencadearam esta acção junto do assalto às cadeias e as outras instituições policiais para terem eco internacional, como acabou por acontecer.
O Envolvimento de Eclesiásticos na Luta de Libertação Nacional
Houve um cônego que teve um papel muitíssimo importante, Maria das Neves porque era um cônego anticolonialista que tinha uma posição de relação próxima com os revoltosos e a quem também se imputa a responsabilidade de ter sido um dos fomentadores ou pelo menos ter conhecimento da situação. Esse cônego acabou por ser preso e deportado para Portugal, onde passou a vida e morreu em um mosteiro no norte.
Nesta altura, quando eu vim para a faculdade conheci pessoalmente várias pessoas e uma delas até foi meu companheiro de faculdade porque depois de ter tirado teologia em Roma com o Cardeal Alexandre do Nascimento, ele aliás veio de Angola com o actual Cardeal Alexandre de Nascimento e com outra pessoa que depois não foi para Roma, Sócrates Dáskalos, originário de uma família grega que também participou na luta de libertação nacional acabando depois dela de vir a ser Governador de Benguela.
Na faculdade conheci bem e fui muito amigo dele, do Joaquim Pinto de Andrade amigo da faculdade, amigo de todos os dias porque era uma pessoa (pensando). Foi Presidente Honorário do MPLA durante doze anos. A circunstância de ele ser padre e dos próprios eclesiásticos também se terem associado à luta de libertação, já referi aqui Maria das Neves. Era uma constante, não foi o único, nem foram os únicos a fazê-lo, era uma constante! De tal maneira que muito mais tarde, o Papa Paulo VI, já a luta estava desenvolvida, chegou a receber no Vaticano em 1972 três líderes dos movimentos de libertação, Amílcar Cabral, Marcelino dos Santos e Agostinho Neto. Portanto, esta vivência dos movimentos com uma relação de proximidade à igreja católica veio a propiciar isto.
Outro colega de faculdade também de “todos os dias” foi o actual Cardeal de Luanda, D. Alexandre do Nascimento que na altura era padre e teve residência permanente em Portugal pela acção que desenvolvia em prol da luta de libertação. E aproveitou para estudar direito, ele é muito mais velho que eu, hoje terá 96 anos, a circunstância de ter vindo para Portugal propiciou que optasse depois por tirar direito.
Eu ia visitá-lo muitíssimas vezes, ele esteve cá a estudar, vivia numa igreja do Sagrado Coração de Jesus, na Rua Camilo Castelo Branco, paralela a Avenida da Liberdade e compartilhávamos e ele já depois, mais tarde como Cardeal quando vinha à Portugal chegou a ficar em minha casa.
Isto dá conta das relações que eu tive quer com o Joaquim Pinto de Andrade quer com ele.
Pós Independência
O 1º Congresso De Quadros Angolanos
Esta proximidade com gente que foi minha amiga levou-me a seguir ao 25 de Abril e quando há a queda do mundo bipolar, levou-me com outros amigos a admitir que “a Paz para Angola podia vir a ser semeada em Portugal”.
E nós promovemos o Primeiro Congresso de Quadros realizado na Feira das Indústrias de Lisboa. Conseguimos juntar 2500 pessoas originárias de Angola, exclusivamente quadros que viram que a perspectiva da paz em 1990 depois da queda do bipolarismo, em que se criaram condições para o diálogo, isso poderia propiciar que houvesse um movimento impulsionador da própria paz para Angola.
Eu na altura trabalhava com o Dr. Mário Soares no Gabinete dele e um outro meu colega de curso, Martim da Cruz, foi ministro mais tarde, trabalhava no Gabinete do Dr. Aníbal Cavaco Silva. Não obstante as visões diferenciadas ao nível de Portugal, do cargo de Primeiro Ministro e de Presidente, eu passei a ter muitos contactos com o Dr. Martim da Cruz, que era meu amigo e colega de curso na faculdade de direito e com outra personalidade que viria a ter um papel muito importante no processo de Paz, o Dr. António Monteiro que também é de Angola era na altura chefe de Gabinete do Dr. Durão Barroso, então Secretário de Estado (ainda não era ministro).
Os promotores deste congresso fui eu, o Francisco Viana, filho do Gentil Viana que hoje é deputado da Assembléia, o Zé João Oliveira que era um empresário que também vivia em Portugal, o Jorge Hurst que era médico, um homem que desde a primeira hora sempre ligado ao MPLA e o advogado Júlio Correia Mendes que também esteve na Casa dos Estudantes do Império. Esse movimento foi um movimento de enorme importância porque criou as condições da sociedade civil para que o governo não fosse alheio a possibilidade da paz ser instalada em Angola.
E foi durante o congresso que as negociações da paz começaram, no mesmo período de realização deste congresso, que as negociações em Bicesse se desenvolveram. Exactamente nessa altura, no mesmo dia em que houve o Congresso dos Quadros Angolanos no exterior foram realizadas as primeiras iniciativas para o processo de paz em Angola e depois se consolidaram pelo Acordo de Bicesse. Infelizmente, esses acordos não lograram alcançar a paz, mas abriram um caminho para que mais tarde em 2002 por efeito dos acontecimentos do Lwena e da morte de Jonas Savimbi concretiza-se de facto em definitivo a paz.
Há aqui vários marcos que eu pude acompanhar, em alguns casos fui interveniente directo como foi o Congresso dos Quadros Angolanos no Exterior para a Paz em Angola.
A Casa dos Estudantes do Império
E quando vim para a UCCLA tive uma grande preocupação porque tinha a noção que estes mais velhos me tinham transmitido, da importância que teve a da Casa dos Estudantes do Império para a libertação e particularmente para o MPLA. De tal maneira foi assim, que nós aqui na UCCLA reeditamos os 22 livros de autores ultramarinos, pedimos a Doutora Inocência Mata da Faculdade de Direito que fizesse o enquadramento desses livros todos, reeditamos depois mais três que são as antologias poéticas de Angola, São Tomé e Príncipe e de Moçambique e também a mensagem da Associação dos Estudantes da Casa do Império (que pertenceram a esta casa) por ocasião da edição comemorativa dos seus 50 anos, coincidiram com as distribuições.
Depois, foram distribuídas por várias outras câmaras, nomeadamente para Moçambique e Angola e foram encorajadoras para quê? Para haver a noção e a perspectiva histórica que os movimentos de libertação de Angola, Moçambique, Cabo Verde e Guiné Bissau tiveram formatação do ponto de vista pedagógico junto desses jovens que na altura vieram para Portugal estudar e que no fundo aprenderam ali os princípios da política. Pepetela que é um escritor angolano descreve muitíssimo bem no livro a “Geração da Utopia”, que é uma obra singular e referência para a luta comum dos nossos povos, mas também, posso citar outras personalidades, Joaquim Chissano pertenceu a Casa dos Estudantes de Império, o primeiro presidente da FRELIMO, Eduardo Mondlane, o próprio Savimbi passou pela Casa dos Estudantes do Império, da Guiné houve variadíssimos que também o fizeram, de Angola Agostinho Neto embora estivesse preso na fase em que Angola teve a maior acção contestatária, e outros como o Diógenes Boavida, o grande escritor angolano também meu amigo o Rui Monteiro, o Oscar Monteiro de Moçambique, etc.
Eles em 1962 empreenderam uma fuga organizada, daqui foram para a França, depois foram enquadrados por uma igreja protestante, depois partiram para os territórios onde se desenvolviam as lutas de libertação nacional e acabaram por ser dirigentes deles.
Tivemos a ideia aqui na UCCLA de os chamar na altura dessas homenagens, todas essas pessoas que eu lhe disse, eles vieram, o Joaquim Chissano gravou várias intervenções, não veio porque teve um problema a última da hora, veio o Pedro Pires, o Miguel Trovoada, o Pascoal Mucumbi, o Mário Machungo e de Angola também o França Van Dúnem e a viúva de Agostinho Neto.
Para ter ideia, isso foi um estrondo enorme e aquilo o que eu desenvolvi nessa altura com os colegas da UCCLA teve como propósito marcar para a história o que é a história dos movimentos de libertação nacional que é indissociável a da Casa dos Estudantes do Império.
Eu tenho pena que se vai celebrar 50 anos do 25 de Abril e que estas obras não sejam reeditadas, são tão importantes, nós já fizemos várias diligências para o efeito, vamos ver se conseguimos realizá-las, como vê há aqui memórias de vária natureza.
Eu já estava cá em Portugal quando a UNITA foi criada em 1961, resultado da saída de vários dirigentes entre os quais o Savimbi da própria FNLA que existiu primitivamente. Aliás, a FNLA foi o primeiro movimento a ser constituído, de tal maneira que a própria Organização da Unidade Africana a considerava a legítima representante do povo angolano. Tudo isso depois se desenvolveu noutros termos.
Quando realizamos o 1º Congresso dos Quadros Angolanos coincidiu com a implosão de um dos polos da bipolaridade, a implosão da ex URSS e o avanço para a defesa dos regimes democráticos, abriu-se então uma aurora de esperança muito grande em 1992 quando foram as primeiras eleições, infelizmente esta paz não se instalou, a guerra continuou por mais praticamente doze anos. Em 2002 por razões de vária ordem foi possível institucionalizar a paz.
O meu propósito hoje é procurar dar a consciência aos dirigentes angolanos, se é possível isto ser feito, até pela idade que tenho. Eu escrevo regularmente para o Novo Jornal, de quinze em quinze dias, procuro ser pedagógico porque este mundo é um mundo inteiramente novo, não tem as elites do passado que marcaram, as elites que fizeram a história recente dos nossos povos.
Mas, é fundamental a meu ver que Angola tenha no plano internacional uma postura com todos os partidos e países que no fundo tem influência hegemônica. Nós vivemos mesmo em multipolaridade a escala planetária, é bom não nos enfeudarmo-nos a nenhuma potência que depois dá sempre maus resultados. Durante a luta de libertação nacional isto foi evidente, a dependência dos partidos em relação a potências estrangeiras, da parte dos três, o MPLA, A UNITA e FNLA. Neste novo mundo é bom que isto não ocorra.
Conselhos as Gerações Mais Novas
E por outro lado, é bom que se tenha presente que Angola tem condições verdadeiramente invulgares para ter uma perspectiva risonha e promissoras para o futuro:
- Água: tem mesmo logo aquilo que nenhum outro país a sul de Angola que faça fronteira tem, a água porque os rios são caudalosos e não se encontra isso na Namíbia, na África do Sul e no próprio Botswana. Portanto, a água que é um problema de grande conflitualidade no futuro, Angola tem-na de sobra.
- Clima: Depois, tem várias estações climáticas diferenciadas, estações mediterrânicas ao Sul em Moçâmedes, onde dá tudo aquilo que se dá aqui em Portugal, uvas, cerejas, etc. E têm climas amenos no planalto central e depois climas tropicais mais a norte. Sob o ponto de vista climático é impressionante como este país tem tudo.
- Maiores etnias: Tem também por outro lado o que não é nada negligenciável, talvez seja o único país africano em que as duas maiores etnias estão dentro do território, os kimbundus e os ovimbundos. Porque quase todos os países africanos têm etnias relevantes em países fronteiriços, isto não ocorre em Angola.
- A Língua Portuguesa: a guerra propiciou a modalidade da língua, hoje praticamente a língua portuguesa é praticamente a língua mãe, a língua natural dos angolanos e portanto isso é uma riqueza e não o contrário, porquê? Porque hoje a língua portuguesa é das língua mais falada a escala planetária, a primeira do atlântico sul, a quinta mais usada nas redes sociais e sendo uma língua universal é também uma língua que tem uma perspectiva económica muito relevante. A China reconheceu Macau como uma plataforma de cooperação com os demais países de língua portuguesa.
Portanto, as condições de Angola são ímpares no continente africano. E eu devo dizer o seguinte: como o mundo está a ficar incerto, mas muito incerto mesmo, faço aqui uma afirmação estranha, mas é o que eu penso “se alguns países não tivessem a bomba atômica que é um instrumento de dissuasão, a guerra mundial já teria ocorrido, porque aí o receio de se avançar era menor do que existe actualmente”. Portanto, o mundo está muito difícil, muito complicado, com várias guerras ao mesmo tempo. O continente africano foi muito fustigado, mais fustigado do que qualquer outro pela pandemia. E portanto, estas características de Angola devem levá-la como país a pôr a flecha para acertar longe, com horizontes longínquos.
O Pressuposto Diversificação da Economia
Fazendo a diversificação da economia realmente, mas é preciso fazê-la mesmo, porquê? Porque a diversificação da agricultura é que vai dar a sustentabilidade ao país, ao nível da agricultura, ao nível das pescas, ao nível da auto sustentabilidade etc. De facto não há outra saída, não vale a pena pensarem que é o petróleo que vai ser a solução de tudo, porque já se provou que não é o petróleo. E o petróleo depois arrastou também uma série de problemas das instituições e das pessoas ao nível da corrupção, isto é real, não vale a pena estarmos aqui a sofismar, este percurso que eu tive ensinou-me isso, estou a falar porque me ensinou isso.
Nós no Congresso dos Quadros Angolanos no Exterior incitamos as pessoas a fazerem escritos sobre Angola para poder alcançar um desenvolvimento saudável e necessário para a maioria da população que tivesse por suporte exactamente o que lhe estou a dizer, a diversificação da economia. Infelizmente, não sei porquê isto não tem sido possível, o que é estranho porque Angola tem capital humano preparado e com muita gente que estudou no estrangeiro e com muitas universidades de valor.
Portanto no fundo, esta resenha tem uma última nota “a maior parte da população angolana é jovem, tem menos de vinte anos e há aqui uma contradição que se coloca aos dirigentes”: Se os dirigentes não respondem a juventude numa lógica de perspectivarem o futuro e acharem que a democracia se limita a “há um homem, um voto”, não vão ter em atenção que as respostas para a juventude não se põem no imediato, se põem no longo prazo para as prepararem e criarem condições que beneficiem esta mesma juventude. Portanto, esta contradição tem de ser superada e tem de ser superada com os olhos postos no futuro, não há outra forma de se resolver o futuro.
Extensões de Religiões Ecuménicas em África
Depois, vejo como alguma preocupação as extensões de algumas relegiões ecumenicas em Africa. E é bom que Angola que teve sempre um diálogo com todas as religiões ecumenicas e monoteístas, portanto que acreditam em um só Deus, não percam de vista a necessidade desse diálogo ser desenvolvido.
As religiões monoteístas têm a mesma origem, é impressionante quer sejam islâmicas, judaicas ou cristãs, a origem é a mesma que é a existência de um só Deus, a origem é essa, desde Abraão que é assim, por isso se chamam também religiões abramistas. É muito importante que Angola tenha isso como prioridade e como preocupação também.
Nós estamos a ver o que é que as religiões propiciaram, é verdade que isto já dura há 2000 anos, a tensão no Médio Oriente, os conflitos, porque apesar de haver um Deus comum, depois a interpretação que se faz da religião é função das correntes que se geram. No caso das religiões islâmicas, no caso das religiões judaicas, o radicalismo é muito encrespado em determinadas correntes de opinião, outras mais moderadas e na própria religião cristã, os protestantes e os do Sétimo Dia e por aí a fora. Porque é que eu lhe digo isso?
Porque na parte Este da África há influência das religiões islâmicas, está a ter um crescimento enormíssimo, particularmente também no norte de Moçambique e isto não é salutar porque nós devemos encarar as religiões como instituições necessárias a humanidade e quem acredita na fé (pensando), mas tem que se ter atenção sob o tema de termos uma radicalização enorme como vimos agora com o Hamas, não é senão a enfatização da morte por acreditarem numa das correntes de opinião que acabaram sempre por serem mártires e a saudação não se sabe bem de onde.
Isto está tudo interligado mas não poderia deixar de fazer também aqui esta referência. Havia tanta coisa para falar mas eu acho que o fundamental é isto.
Qual é a Importância da sua geração partilhar as suas memórias com as gerações mais novas, dentro do contexto de Angola e do nível socioeconómico actual?
É importantíssimo, “não há futuro sem memória”, eu costumo dizer isso e é verdade e de alguma maneira os mais velhos (não é o meu caso), são verdadeiras bibliotecas ambulantes que viveram as experiências da vida e as várias etapas da humanidade. Eu nasci sob o colonialismo, o colonialismo desapareceu, a seguir desapareceu o mundo bipolar, criou-se o mundo unipolar, hoje já não existe, hoje é um mundo multipolar que existe, não havia sequer União Europeia e foi muito acontecimento junto que nos dá depois alguma experiência de vida que nós devemos deixar mesmo aos mais novos.
Felizmente, em Angola começam a surgir essas memórias e é bom que continuem, o Hugo de Meneses que eu aqui citei tem memórias póstumas de um livro editado depois da morte dele, que é importante para se perceber a génese da criação do MPLA. O Manuel Videira que também foi médico, ele tem um livro importantíssimo, bem feito, distante, isento. É bom que as pessoas percebam que o pior que pode haver nas memórias, são memórias laudatórias de situações que não tem sentido porque o que interessa é que se dê um retrato fiel daquilo que ocorreu. O livro de Manuel Videira é um livro com pequenos capítulos que se lê muito bem, que se lê rapidamente, depois há outros. Oscar Monteiro de Moçambique há alguns anos também escreveu um livro de muito valor, entre outras coisas da vida dele, sobre a Casa dos Estudantes do Império. Vai-se perder a memória se porventura isto não se inscrever. Agora, o Hélder Martins que foi o primeiro Ministro da Saúde de Moçambique já publicou três livros, o último dos quais foi aqui apresentado na semana passada. Estes livros são importantíssimos, vai-se perder a memória se porventura isso… Dou um exemplo, os homens que criaram o MPLA em Conacry todos já morreram, o Viriato da Cruz, o Mário Pinto de Andrade, o Lúcio Lara, morreram, portanto já não podem dizer como o fizeram, mas felizmente eles deixaram escritos, dispersos porque nenhum o fez em forma de memória da própria vida, isto foi pena!
Portanto, este incentivo do trabalho que estão a fazer nesta plataforma é de uma importância enormíssima, não há futuro sem memória, não vale a pena! E é por essa memória isenta que nós podemos dar contributo inclusivamente para o futuro de vários pontos de vista, da economia que eu aqui também referi.
Por exemplo, faz sentido que Angola com as potencialidades que tem estar numa situação económica e social muito difícil? O que é que se tem de fazer para corrigir isso?
Os mais velhos têm uma experiência de vida que podem testemunhar, tem muito a dizer, o que é que se tem de fazer para corrigir isso, os mais velhos têm experiência quer do ponto de vista político, quer do ponto de vista das próprias profissões que exercem.
Este depoimento foi realizado em Lisboa, na Sede da UCCLA, no dia 30 de Outubro de 2023.
Realizado por : Marinela Cerqueira
Audiovisual coprodução: HSA, UCCLA e Muki Produções
Fotografia: HSA e UCCLA
Palavras Chaves: 1º Congresso De Quadros Angolanos| Casa dos Estudantes do Império| Diversificação da Economia| Joaquim Pinto de Andrade| Alexandre do Nascimento| UCCLA