Adelino Fernandes foi selecionado para emprestar as suas memórias sobre a moda e concursos de beleza nos anos 70, por razões imprevistas o seu depoimento não foi realizado a tempo de constar na fase 1 deste projecto durante a redação do livro “A Juventude Angolana no Período Pós Colonial: Contribuição à Análise Qualitativa”. Entre outros famosos da Vila Alice, como os cantores Nany e Tito Fontes, Gustavo da Conceição, Matamba e outros, é um dos promotores do sector da moda e concursos de beleza residiu em uma das travessas que vai dar ao largo José Régio. Conheci os seus familiares e estes amigos foram educados de forma rigorosa e acompanhamos a trajetória deste angolano, nascido em Cabo Verde, residiu temporariamente no seu país e em Portugal e a maioria da sua vida na travessa Almeida Garrett, tal como muitos angolanos viveu na residência onde passou a sua infância e juventude até muito pouco tempo e por isso assistiu às mudanças sociais na Vila Alice e foi a partir da sua casa que fomentou a sua entrada na moda nacional. Por isso, o desafiamos a partilhar as suas memórias que revelam sua dedicação as danças, a programas infantis de rádio e televisão e a moda, conta factos históricos das agências de modelo, dos concursos de beleza,da participação no grupo infantil Chocolates e em outros movimentos culturais nacionais marcantes que nos primeiros anos de Angola entretinham o povo angolano de Cabinda ao Cunene e onde foram forjados músicos, compositores e grupos musicais como as Gingas do Maculusso.
Este depoimento apresenta pouco dados antes da independência demonstrando os limites da memória no tempo, porém contextualiza profundamente aspectos da sociedade Luandense da época como os soldados voluntários e os poucos estabelecimentos de formação extracurricular como a Academia de Música de Luanda, programas infantis de rádio e televisão e as diversões dos adolescentes que fomentaram a organização do sector da moda e beleza nacional, ao final do dia, cada angolano participou na construção da nova sociedade angolana de acordo as suas habilidades muitas das vezes incentivadas pelos pais, comunidade e aquele momento histórico de um novo país, conheça algumas destas figuras e o seu papel na construção da identidade cultural nacional.
Contexto
Vou começar dizendo o que me consigo lembrar é importante, eu sou o Didi é o nome que as pessoas conhecem-me na rua, mas chamo-me Adelino Fernandes, filho de e de Adelino Fernandes, tinha seis irmãos agora tenho cinco em virtude do falecimento de um deles, portanto a minha mãe teve sete filhos e um deles era militar e morreu em 1992 nos confrontos, sou o penúltimo dos sete e faço cinquenta e cinco anos em 2023. A minha mãe nascida em Angola, casada com um cabo verdiano que naquele tempo se atreveu a ir viver para Angola, visto ter nascido em Cabo Verde e no regime colonial concorreu para aquelas posições mais altas que eram dadas às pessoas de cor e mesmo assim na época colonial chegou a Administrador de Posto, eu não sei o que isto quer dizer de facto se hoje fizermos uma leitura aos postos actuais, eu nao sei dizer que nível se compara, o que é certo é que ele foi Administrador de Posto até a independência em 1975. As pessoas que o conheceram e conhecem a família dizem que somos pessoas que a bem ou mal foram privilegiados naquela altura devido ao estatuto adquirido de ambos. A minha mãe angolana, meu pai cabo-verdiano, conheceu-a, casaram e viveram parte do tempo em Angola, Três dos sete filhos nasceram em Angola e os outros nasceram em Cabo Verde que é o meu caso.
Colonial
A infância em Cabo Verde e Portugal, até 1975
Antes da guerra em Angola nos anos 1960, a minha mãe agarrou os três filhos mais velhos e mandou-os para Cabo Verde para não terem qualquer tipo de problema durante aqueles confrontos, mandou os mais velhos e ficou em Angola com o meu pai. Pouco tempo depois, vão para Cabo Verde porque tinham a necessidade de encontrar os filhos e manter a família em constante progressão e daí vem os outros últimos filhos. Eles transferem-se para Portugal onde vivemos até Abril de 1975, quando se sabe que Angola eventualmente está quase a tornar-se independente e as pessoas deste tempo queriam estar no momento da independência em Angola para presenciarem a mudança de regime. Fomos para Angola, aconteceu a independência e uma das minhas irmãs…
Pós Independência
Os soldados voluntários, Angola, 1975-1985
O meu falecido irmão Olavo que faleceu na guerra e um primo meu o Jorge Togas foram voluntariamente para tropa, tinham quinze anos nesta altura e fugiram de casa, alistaram-se e a minha mãe voltou a vê-los dez anos depois em 1985, ele foi e os meus pais não sabiam, estiveram desaparecidos durante dez anos, conhecia o meu irmão, mas quando tu és pequeno e o teu irmão desaparece por este período, quase te esqueces da existência desta pessoa. Até ao belo dia em que estávamos em casa e aparece-nos ao portão um indivíduo de barba, militar e a minha mãe aos prantos porque ela estava a ver em frente dela o filho que ela não via há quase dez anos. Ele foi em 1975 quando houve aquela avalanche de irem para tropa, quando recrutaram em massa, ele foi nessa leva e voltam nesta época, o Olavo e o Jorge que é filho do irmão mais novo do meu pai e a vida continuou.
O ambiente social de Luanda, primeiras eleições em Angola, 1992
O meu primo Jorge depois foi para a pilotagem comercial porque foi trabalhar para a SONANGOL e o Olavo continuou nas forças armadas até morrer porque ele morreu em 1992 naquele confronto durante as primeiras eleições, onde se recebeu de braços abertos a UNITA para haver a grande transição para a democracia, só que em 1992 houve aquela grande guerra civil, eu lembro-me dele recrutar os rapazes jovens do bairro porque havia uma ameaça de…. a nossa casa estava cheia de material de propaganda e armamento do MPLA, o meu irmão foi um dos mobilizadores de jovens, o meu irmão Rui também esteve nesta frente de bairros, no caso era um civil. Era preciso senhas para se passar pelos bairros e quem não tivesse senha era aprisionado ou abatido, havia confrontos e morriam soldados e civis, foi o caso do Olavo, perguntou a senha aos soldados da UNITA e houve o confronto, foi abatido com onze tiros em frente a farmacia Luanda, no passeio da residência da família Riqueza, muito próximo a nossa casa.
O nosso irmão Rui estava com ele e também foi alvejado com sete tiros e fingiu estar morto. Pois os soldados da UNITA antes de prosseguirem a sua fuga asseguravam estarem todos mortos, quando se sentiu em segurança conseguiu arrastar-se até a nossa casa. A minha mãe viúva levou o Rui até ao hospital militar e no dia seguinte conseguiu com que a força aérea militar o transportasse para um hospital em Lisboa. os médicos em Lisboa dissera–lhe que ele ter chegado na hora exacta pois tinham extraído x quilos de pus do corpo que se degradava rapidamente.
O Rui hoje vive na Inglaterra e visita regularmente a nossa mãe em Lisboa mas jamais regressou a Angola, ele fala sobre o país, mas não fala em visitar, provavelmente para esquecer o drama de ver o irmão morto e pela incapacidade de o conseguir salvar.
A nossa mãe tinha chegado a Luanda uma semana antes das eleições de 1992 após a morte do esposo decidiu residir em Lisboa, ficou um longo período sem regressar a sua terra, mas recentemente tem visitado periodicamente.
A Academia de Música de Luanda, 1975
Contrariamente, ao movimento de retornados que incluiu famílias de angolanos sobretudo dos funcionários públicos, privilegiados pelo regime colonial conhecido como assimilação a minha família regressou a Luanda em Março de 1975 para presenciar a independência e participar na formação do país Angola, o meu pai integrou os quadros da Secretaria de Educação e Cultura dirigida por António Jacinto e depois por …. até a sua morte em um trágico acidente após deixar o seu amigo Bento Pinto de Andrade em sua residência no Prenda. Como nosso pai era funcionário da cultura, o meu irmão mais novo o Mick e eu fomos para a academia de música.
A academia de música era uma escola completa, todos tinham que seguir o currículo escolar composto por música, dança,x,y. A Ana Clara Guerra Marques auxiliada pela Vanda a geriam com rigor, exigia esforço de todos, por exemplo nós estudávamos de manhã e depois do almoço íamos às aulas na academia, no regresso a casa havia os deveres da escola a fazer, por isso havia muito pouco tempo livre. Todo este esforço era compensado no espectáculo apresentado no final de ano da academia.
Período em que estudaste? Em que peças participaste? como esta experiência influenciou a tua vida, a tua carreira profissional
Eu sei exatamente onde nós morávamos em Lisboa, morávamos em Cruz Quebrada na linha de Cascais. De Cabo Verde eu não tenho mesmo referências porque eu era muito pequeno e o mais novo era bebé. informação de cabo verde que tenho é de adulto para participar no cabo verde fashion week, fiz o 2017,18 19 até fecharem as fronteiras devido a covid-19 em 2020.
Algo engraçado o que acontece connosco em casa, não falamos criolo com excepção da irmã mais velha mas com vive em Angola não faz uso, porque o meu bisavô cortou o crioulo ao meu avô e o meu pai simplesmente já não tinha como passar a língua, tanto mais que a primeira vez que cheguei a cabo verde e entrego o meu passaporte na fronteira funcionária da imigração dirigiu-se para mim em crioulo e eu respondo em português e ela muito espantada disse-me então você nasceu em cabo verde e não sabe falar crioulo e eu disse que não vivo aqui e nao tenho muita ligação com pessoas que falam crioulo. mesmo, em Angola o meu pai conhecia caboverdianos mas nunca foi de estarmos em contacto com a comunidade, que falavam crioulo mas nós nunca falamos crioulo, sempre falamos em português. estando em Cabo verde quando eu vou, durante o tempo que lá fico vou entendendo a maior parte do que se fala mas não me atrevo sequer a responder em crioulo.
A Vila Alice
A Vila Alice que eu conheço é do Cinema Império até ao largo Cesário Verde, o outro lado da Vila Alice eu nunca conheci pessoas daqueles arredores da Rua Eugénio de Castro, do lado que dá para o Jumbo não conheço, as únicas pessoas dali que eu conhecia eram os Mangueiras e o Fernando e o Doro Pita Grós, naquele trajecto da minha casa e ia a casa do Carlos Santos (Calú) na Eugenia de Castro e a a casa dos Pitta Grós. Eu nao conheci ninguem talvez porque não estudássemos na zona porque quando viemos de Lisboa fomos estudar para o São José de Cluny que era na baixa da cidade, isto fazia com que fosses moradores do bairro mas não ser muito frequentador do bairro, conforme disse acima de manhã íamos estudar, a tarde íamos para a Academia de Música e se tivesse que estudar em grupos de estudo estudava com os meus colegas do São José do Cluny que nenhum deles morava na Vila Alice, nenhum deles morava no meu bairro, não tinha nenhum colega de escola no meu bairro. As pessoas que eu conheci na Vila Alice, foram sempre naquela base a casa sitiada mas muito pouco raio de acção ali dentro, claro que conheço alguma gente, mas não conhecia toda a gente.
A participação da Batido do Ferro no campeonato Caçulinhas da Bola, RNA
A Vila Alice é como qualquer bairro em qualquer parte do mundo as pessoas conhecem-se , crescem e criam os ambientes do bairro. A Vila Alice tinha uma coisa que eu gostava muito que era entre nós as pessoas que moravam naquela parte do bairro, havia um grupo que era só de rapazes, não se via uma única menina naquele grupo , chamavam a batida do ferro, sentavam-se naquele ferro que delineava a esplanada do antigo estabelecimento comercial da família Talaia que no período dos dancings foi transformada em dancing, toda a tarde e parte da noite e ali ficavam, esta história dá “Batido do Ferro” começa entre os meus treze anos e os catorze anos da maior parte de todos, naquela faixa etária dos frequentadores e penso que devem ter deixado o ferro a partir dos vinte e cinco anos, não antes disso, devem ter sido uns dez anos, diariamente, aquilo era saias da escola e a partir das seis da tarde juntava-se o grupo ali, gozar com este, gozar com o outro, programar idas a festas, ao cinemas, jogos de futebol. Lembro-me que os “Caçulinhas da Bola” foi uma actividade criada no seio da Vila Alice, uma actividade onde os miúdos da Vila Alice participaram, por um dos mentores era funcionário da rádio, o Sr. Vidal morava próximo ao Karate, na Rua Almeida Garrett, a rádio cria e ele é que leva a actividade para a Vila Alice, tanto mais que a Vila Alice tinha duas equipas neste campeonato e todos os rapazes deste grupo da Batida do Ferro com excepção de mim jogaram no campeonato, íamos ver os jogos.
O Programa Infantil Futuro da Nação
O Maninho da Auto Pechincha levou-me pela primeira vez a TPA assistir o programa infantil O Futuro da Nação, todas as semanas íamos ao meio da semana para assistir a gravação e éramos a assistência do programa semanal, eu nem sabia que esta coisas se processavam, um dia ele chega a minha casa e diz “Didi não queres ir ao Futuro da Nação” claro eu via aquilo pela televisão e eu quem é que não quer ir a um programa de televisão, és criança e a partir daquele dia começamos a ir regularmente todas as semanas.
Este programa de televisão englobava os assistentes faziam parte das actividades do programa as empresas que patrocinavam como a Bolama e a Vidrul proporcionavam aqueles miúdos e os programadores uma vez por semana visitas, portanto eu conheci muitas fábricas ao redor da cidade com base nesta programação, todos que se sentavam ali a assistir a realização do programa da semana tinham acesso, éramos divididos em grupos por estes sítios para cada um conhecer as visitas em carteira.
Os Programas Infantis o Sol e o Rádio Piô e o 01 de Junho RNA 198x
Eu sou criança
eu sou o Sol
eu sou o futuro do amanhã
…
Depois disso, conheci por intermédio do meu pai , o amigo do Octaviano Correia, escritor e jornalista que criou o programas Rádio Piô e durante a minha infância fiz locução de rádio neste programa rádio Pio, Jorge Antunes e sua irmã Cláudia, Ana Cláudia Melo Ferreira e a nadadora da piscina de Alvalade Ana Martins era o grupo de adolescentes que constituíam os locutores da Programa Rádio Piô.
O primeiro programa de rádio infantil angolano foi o Sol que só dava aos domingos, depois o Octaviano Correia criou a Rádio Pio que passava três vezes por semana , a segunda, às quartas e às sextas feiras. Havia a equipa do Sol e a equipa da Rádio Pio, mas muitas pessoas da Rádio Pio, éramos muitas vezes convidados para fazer a locução do Sol. A Cristina que foi locutora da televisão começou como locutora daquela programa infantil o Futuro da Nação, ficavamos cerca de duas horas a assistir ao programa, era giro, quando se vê um programa de televisão vê-se um programa pronto, não nos passa pela cabeça que se fica sentado horas à espera do início, em um estúdio muito frio porque o ar condicionado é posto no máximo devido as luzes e a maquinaria senão não há quem aguente estar dentro de estudo eles devem ser bem climatizados se não há problemas.
Depois da criação destes dois programas de rádio, a RN criou também aquilo que era o espectáculo anual do dia do “1 de Junho” que era um espectáculo infantil por onde passaram todos estes cantores, Mamborró, Maya Cool, Impactos 4, Gingas do Maculusso, Yuri da Cunha, todos eles passaram pelo programa anual do dia 1 de Junho que sempre foi feito no auditório da RNA que era um espetáculo lindo de se ver coordenado pela rádio tendo a cabeça Directora de Programas Luísa Fançony e como consequência era a produtora daquele evento.
Nós participantes só sentíamos a pressão a partir do mês de Abril que era quando confirmassem o convite de participação, já sabíamos que iríamos participar, todos ficávamos o ano inteiro a espera de ser escolhido, era um único espectáculo anual, com um determinado tempo, aparecer na televisão “quem é que não queria aparecer na televisão”, todo mundo, eu Didi tive a sorte, como fazia muitas coisas ao mesmo tempo, era uma pessoa conhecida, dançava e fazia locução, tanto podia ser escolhido para fazer uma intervenção de locução no programa, mas normalmente era convidado para dançar no Grupo dos Chocolates, mas no meu caso ja sabia que iria aparecer de alguma maneira, quase que não me preocupava, porque era convidado para dançar.
O grupo de dança os Chocolates
O grupo de dança Chocolates ganhou em Angola o primeiro concurso de dança organizado pela TPA que era uma rúbrica dentro de um programa que se chamava o Explosão Musical era um programa de música que davam ao sábado, um programa noturno que em determinada altura, o Bravo criou a rubrica para o concurso de dança que durou um ano inteiro, todas as semanas havia pelo menos entre quatro a cinco grupos a fazerem a sua apresentação para no final de 365 dias haver uma final, e nós felizmente ganhamos este concurso, aquilo que todos queriam! Nesta altura, para tu realmente seres famoso tinhas de trabalhar, não é como hoje em dia que tu fazes duas fotografias, o universo vê e fica-se famoso. Naquela altura, aparecia-se ou dava-se uma entrevista à televisão e as pessoas viam ou davas uma entrevista à rádio porque as pessoas ouviam rádio. Hoje em dia, há muita gente que ouve rádio sobretudo de manhã quando vão trabalhar , ligam para saber as notícias sobre o que se passa na cidade e no país, para teres alguma notoriedade naquele país tinhas que dar estas entrevistas, ou no Jornal de Angola, não havia revistas e nem redes sociais.
Eu fui o primeiro elemento rapaz no grupo porque o grupo era constituído por oito meninas a professora também era uma mulher a Sheila Sirgado e há um dia em que eu vou ver uma peça de teatro do Mendes Ribeiro no Teatro Avenida e no intervalo do teatro e o grupo Chocolates apresenta-se e eu fiquei entusiasmado e quando os vejo a sair vejo a professora e por acaso eu a conhecia porque a mãe dela é madrinha de casamento da minha irmã mais velha, só que eu não sabia que ela fazia aquilo e descubro neste dia e disse-lhe “eu também quero dançar” e ela disse “mas só são meninas” e eu “mas qual é o problema”, trocamos os números de telefones, ela liga-me e começo a treinar.
Ainda fiz três espectáculos no meio delas. tive de aprender aquelas coreografias já existentes e ela só mudou a posição, punha-me no meio, em uma coreografia há posições, abriu a coreografia para o lado e fazia os mesmos exercícios que elas faziam, não havia exercícios diferentes, não dava para criar pares. Passado algum tempo, sofri bastante bullying, na nossa cidade que sempre foi altamente preconceituosa “ah mas não pode”, eu não me importo com isso. Até há um dia ao conhecer pessoas, conheci o Cajó e a conversarmos disse-lhe que dançava, falou-se com a Sheila e no dia marcado ele foi com mais dois amigos que acabaram por ficar, o grupo passou integrar quatro rapazes e oito meninas, depois levei o meu irmão mais novo e depois a professora levou o irmão do cunhado e a conta fechou. As duas meninas mais altas do grupo depois desistem e acabou por ficar um grupo de doze e nesta altura o grupo se transforma no grupo de dança moderna aos pares e como aparecemos muitas vezes na televisão devido à participação no
Programa 1 de Junho éramos convidados a participar em programas infantis na televisão em outra actividades e daí as coreografias e a TV tem a ideia de lançar o concurso de dança Explosão Musical que foi um fervor na TV, a Vila Alice tinha um grupo de dança chamado Os Dráculas mas eu já não podia pertencer ao grupo do meu bairro por já pertencer ao grande grupo da cidade.
Havia aquela história durante o concurso, as pessoas tinham consciência que éramos os melhores mas achavam que íamos ganhar pelo conhecimento, mas nós trabalhávamos para aquilo, ensaiamos para ter um grupo em condições de ganhar, víamos videocassetes do FAME tudo que era programas de dança a Sheila punha-nos sentados a ver, grupos de dança da América, claro que não tínhamos aquelas técnicas mas conseguimos fazer aqueles passos.
As indumentárias eram feitas de forma idêntica a da Academia de dança, nos Chocolates a Sheila cortava as roupas e dava a cada um para os nossos pais mandarem costurar, mas no ballet não davam a peça cortada, davam a imagem, o tecido e nós escolhemos alguém para executar porque não havia capacidade de fazer um guarda fato para uma companhia de dança, eram cento e tal alunos na Academia de Dança, Angola ainda não tinha estrutura para isso, então cada encarregado de educação era responsável por vestir o seu filho, tratava da execução, a roupa era igual mas não era confeccionada da mesma maneira porque cada um tinha a sua posse, havia uma diferença, se a pessoa que executou não é a mesma a peça não pode ser igual.
As amizades na adolescência
Lembro-me de viver ainda a situação de ter telefone fixo em casa, não havia a cultura de ligar a alguém para dizer “eu vou a tua casa” saias de casa e ias ver fulano, se ele estivesse em casa, tudo bem e se não estivesse ias procurar alguém que morasse perto, não é como hoje em dia que as pessoas dizem “tens que ligar primeiro antes de vir”, as consciências mudaram, naquela altura todo mundo saia da sua casa para ir a casa do outro sem avisar e havia telefones, podias ligar e dizer “hoje vou a tua casa”, tu tomavas banho, vestias-te e ias, correndo o risco da pessoa nao estar e como não havia transportes as pessoas galgavam seca e meca , imagina poderia sair da Vila Alice para ir visitar alguem que morasse no Bairro Azul e chegar lá e a pessoa não estar em casa, mas isso a nós não nos incomodava porque para eu visitar alguem que morasse no Bairro Azul iamos um grupo de quatro, cinco, pela cidade até chegarmos lá, e se a pessoa nao estivesse, tudo bem, ias encontrar sempre alguem na esquina, os grupos do bairro, moradores daquela zona com quem tu irias conviver visto que a pessoa a quem fostes procurar nao se estava e então era desta forma que as pessoas se conheciam naquela altura. Ao levares uma suposta tampa porque a pessoa não está tinhas que te fazer a vida, não me lembro de ir visitar alguém e a pessoa não estar em casa e voltar para minha casa. O conhecimento da sociedade em Angola pelo menos no meu tempo era assim que as pessoas se conheciam.
Hoje posso dizer que no meu tempo de miúdo a cidade começava no aeroporto, temos quatro entradas a do aeroporto, a do Bairro Azul, a cidade terminava na ponte quem vai para a Samba, a entrada do Roque Santeiro onde tínhamos o São Paulo e o Roque santeiro e depois a Ilha de Luanda, mas mesmo destas quatro portas, apesar de as conhecermos só nos movimentamos para os bairros onde conhecíamos pessoas, por exemplo no meu tempo de miúdo os bairros que eu frequentava era da Vila Alice para o Alvalade, Bairro Azul ou para o Miramar, sabia que havia pessoas que viviam nestes sítios, mas não eram sítios que eu realmente frequentasse . A zona do Maculusso foi uma zona que quase não frequentei, só quando era adolescente passei a conhecer pessoas residentes nesta zona e na sagrada Família, porque isto tem muito a ver com os teus colegas de escola, onde tu vais nos tempos livres, a quem visita. Por exemplo, vais visitar alguém e dizer a um amigo “vem comigo” e um amigo só te leva a um sítio que ele sabe que te pode levar, ele não te vai carregar para um sítio onde te vais sentir comprometido porque existe isso “tu não levas alguém a um sítio onde eventualmente esta pessoa se possa sentir, acanhada, comprometida ou seja desconfortável, não fazemos isso”, muitas vezes nós conhecemos outras pessoas por intermédio de pessoas que íamos visitar, com quando alguém chega a tua casa e tu dizes “Eu vou sair agora” e logo a seguir decides “vamos”, não me deixava ficar a porta da tua casa porque ias sair, levavas-me, então eu neste dia ia conhecer pessoas que talvez eu nunca tivesse visto, fomos conhecendo pessoas dessa maneira.
O Recolher Obrigatório
Lembro-me também da situação do recolher obrigatório na cidade que aquilo era um festival, quer dizer para nós que nos colocavamos em risco porque um recolher obrigatório é para as pessoas ficarem em casa mas nós como éramos os “senhores sabe tudo” já não queríamos respeitar nada nem ninguém “ eu posso ir a festa, não tem problema”, o meu pai deixava-me a porta da festa mas nós durante a noite íamos a outras festas a corrermos o risco de sermos presos porque havia tropa na rua a tomar conta da cidade mas nós tínhamos a sensação de ser bom andarmos naquele perigo, andarmos de um lado para outro de madrugada quando era expressamente proibido “dez pessoas dentro de um carro” era o que se fazia naquela altura, hoje jamais eu iria andar dentro em um carro que tivesse dez pessoa la dentro, ja viste “ tu estás sentado e tens três pessoas em cima de ti, tu não vez nada, as pessoas que estão sentadas em cima de ti é que veem alguma coisa, mas tu ten que ir a tal de festa, o único carro disponível era aquele, lembro-me que uma vez fomos parar a esquadra da polícia, fomos a uma festa do Tino Abrantes, nao tinhas carro tinhas de ir a pé de madrugada e na rua havia uma esquadra e a chegarmos a porta da festa levaram-nos, passamos a noite inteira na estrada e o hilariante era que chegava aquela hora, as cinco horas da manhã mandavam-nos para casa, tinhamos cometido um pequeno desacato, um pequeno delito que nao era crime, a condenação era ficares sentado ali toda a noite e as cinco da manhã em ponto já ninguém te dizia nada.
Não sei se posso chamar aquilo de insegurança, para nós, com a idade que nós tínhamos não era, para os adultos claro que sim, tem outro tipo de visão, há riscos que não querem correr. Digo gostei bastante de ter sido miúdo ali e adolescente também, sei que outras gerações, as pessoas que têm menos dez anos que eu já não viveram um terço daquilo que eu vivi em Luanda, as situações já eram totalmente diferente, a cidade não tinha crescido mas o número de habitantes já tinha aumentado e então já havia a situação de escolha e de separação entre grupos, eu quando cresci não havia, “todo mundo era todo mundo”, mas dez anos depois da minha geração começa a ver uma sociedade totalmente diferente e hoje em dia já nem se fala.
Dos concursos de moda juvenis a Moda Luanda
Pouco tempo depois da independência a fabricação de têxteis reduziu e começou a haver escassez de vestuário e de material para actividades relacionadas a moda e a estética. recordo a reabertura da Textang II. Por isso as pessoas faziam recurso ao que estava disponível. A minha mãe era rigorosa e lá em casa não se podia usar roupa de terceiros, se por exemplo trouxesse vestida a roupa de um amigo por ter passado a noite, a minha mãe dizia “tudo bem não quiseste vestir a tua roupa,vamos lavar a roupa para ser entregue logo a tarde”.
A uma dada altura os vizinhos e outras pessoas começaram a ouvir dizer “o Didi” tem muito jeito para vestir” e chamavam-me para os ajudar, a minha especialidade é vestir alguém com panos e trapos sem precisar recorrer a muitos cortes e a linha e a agulha, também opinava dizendo põe isso de lado, devias optar por estas peças, etc. e comecei a dar conta da inclinação para o estilismo e costura.
Os desfiles de moda em Luanda começaram por iniciativa de adolescentes, em cada bairro se organizava concursos de moda e concursos de misses, por exemplo por ocasião das festividades do final do ano lectivo, e foram surgindo as misses nos bairros, Miss Vila Alice, Miss Maculusso, etc. é quase impossível separar a história social destes dois sectores nacionais.
O primeiro desfile foi organizado por uma francesa, a Sabrine, ocorreu no hotel Presidente na época gerido pela Meridien, a primeira passerelle organizada pelo Cajó e por mim.
Os primeiros manequins e ou modelos angolanos foram a Carla Castro, a Vitória Garcia, o Carlos Santos (Calú), foram também alguns deles que se transformaram em agentes e até estilistas como a Vitória Garcia.
Quando o Kayaya Junior regressa a Luanda para impulsionar o agenciamento após ter se formado em Manequim em Lisboa e com base na experiência deste primeiro manequim angolano em Portugal, criou a sua agência a Step Models com a chegada da manequim de origem caboverdeana Karina Barbosa, outra bem sucedida manequim dos PALOP.
Concursos de Beleza
Os primeiros concursos de beleza foram informais, organizados e promovidos por adolescentes no âmbito de criar diversões e comemorar datas festivas como os finais dos anos lectivos e foram surgindo as Misses Bairro. O primeiro concurso semi oficial porque ainda não existia o Comité Miss Angola teve lugar no Cine Tropical e a Maria João foi a primeira miss e depois a Paula Kiluange.
Quando o Valdo chegou de Paris, com uma visão mais centrada, impulsionou a organização do Comité Miss Angola cujo envolvimento da Primeira Dama Ana Paula dos Santos teve um papel crucial, o Valdo era também o gestor do Diana (boutique e cabeleireiro) com o Comité oficializado iniciou a fase dos Concursos oficiais e reconhecidos internacionalmente.
Integro a equipa de formadores de Misses e de Misters desde o início enquanto responsável, pela passerelle, comportamento e boas maneiras. Não o faço por razões materiais, mas por gostar e acreditar neste sector, a partir de uma dada altura passei a receber gratificações.
As pessoas que assimilam coisas que muita gente formada não o consegue fazer e muitas vezes o aquilo que ela se transformou é maior do que nós, então não vale a pena, eu já perdi a conta das vezes que chamo atenção há muita gente que critica quem participa nestes concursos porque querem descategorizar ou desvalorizar estas pessoas e depois no final estas pessoas têm condições ou um preparo melhor do que a sua, então vamos deixar de achar que os outros são sempre os piores quando isto não é verdade e dar a chance e aumentar aquilo que se chama “dar a oportunidade” e acreditar que é possível as pessoas chegarem ao auge com uma coisa que a partida se considera banal, “concursos de beleza”, já passou a história ser bonito para ser mister ou miss, já passou de longe, hoje em dia tem que ter alguma categoria por traz, não basta ter corpo e um rosto bonito, tens de ter um background de civismo e de inteligência para um ano inteiro que se segue após graduação.
Depois da graduação, tens que defender uma causa, tens que lidar com mil e quinhentas pessoas que nunca viste na tua vida e fazeres com que a causa que tu te predispões a abraçar no final de trezentas e sessenta e cinco dias seja algo realmente visto e que valha a pena porque os investidores hoje em dia investem com o propósito de ter retorno, ninguém investe dinheiro em um concurso destes para ter um homem ou uma mulher bonita a frente, está fora de questão. Este homem tem que fazer jus àquilo que se investe, trazer retorno dos valores que o investidor colocou naquele momento. Por exemplo, vou abraçar a causa da hidrocefalia, então todos os dias quando acordar tenho que sair de casa para procurar instituições que realmente se interessem por isso e tenho de procurar empresários que vão abraçar a causa que eu estou a abraçar e que tiram dinheiro dos seus bolsos para junto das instituições que tratam destes assuntos, fazer com que a causa realmente valha a pena.
Eu não desisto de dar o meu contributo e seja aquilo que o mundo quiser, todos os dias as coisas modificam , há quem desista, eu não desisto de maneira nenhuma e digo que os empresários estão certos em muitas vezes desistirem, mas desiste quem realmente não tem a percepção devida daquilo que se está a fazer porque quando se faz um investimento em uma causa social normalmente o empresário deveria saber que parte deste valor deveria ser considerado perdiem da sua empresa, perder algum dinheiro mas depois ganhar vantagens em outras coisas que é a abertura de portas para novos investimentos. As causas nobres por norma nas empresas devem ser assim classificadas e se ganha na expansão do nome da empresa ou em nome do empresário, conheço muitos empresários que investiram nestas causas sociais a título pessoal, preferem não colocar a empresa mas o seu nome a frente.
O capital social e o emocional são fatores determinantes nos concursos de beleza, para ter a capacidade de aprender rapidamente? Qual a sua importância neste tipo de profissão, o seu trabalho não se limita ao marketing, ao lobby e à advocacia de causas nobres?
Não é fácil, imagina que tu tens um desfile hoje em Lisboa, apanhares um avião para um voo de sete horas para Nova Iorque e entrares na passerelle em um evento que não tem nada a ver com o evento de Lisboa, tens que ter um emocional muito forte que te ajude a perceber que tens de fazer as coisas no teu melhor por isso é que se diz que muitas vezes, muita gente se perde, não aguenta a situação e perdessem no mundo da droga, mas que não é fácil conciliar tudo isso, é um mundo glamoroso que na parte de trás de todo este glamour tem muita coisa feia, porque as próprias pessoas que aparecem à frente, por trás são aliciadas há coisas que não interessam e tem que haver um preparo muito forte e gente a volta que não os deixe cair nesta situação e serem de repente atirados ao lixo.
Então existe uma máquina, o agente destas pessoas tem que ser uma pessoa que está ali para tratar que esta pessoa tenha sempre trabalho, mas o agente também está ali para tratar que essa pessoa seja uma pessoa forte, não aceite qualquer coisa vinda do exterior que afete de maneira negativa aquela pessoa porque depois há situações que o agente já não tem acesso porque os modelos vão sozinhos e ali é que acontece a pressão, onde ele está sozinho. o agente tem que fazer tudo para eles não fraquejarem e dar para o torto. há muitos agentes, mas os únicos que conseguem prepará-los efectivamente são aqueles que não tem muitos agenciados porque os que tem muitos acabam por não prepará-los suficientemente porque tem muita gente a fazer este trabalho, ele acaba por achar fácil, porque se tu perdes aqueles dois, até os substituir já saíste do mercado, por isso é preciso prestar uma grande atenção.
O que é para um agente agenciar uma Maria Borja, afinal são duas partes a caminhar juntas?
O agente tem que saber realmente o que tem no mercado e não pode falhar no mercado, por exemplo, eu tenho uma Maria Borja e o mercado quer uma Maria Borja, mas eu, o agente tenho que ter uma Maria Borja preparada para não cair em tentação , porque se eu a perco, se ela é convencida ao desvio, é um problema muito grande porque ela vai se perder e eu perderei a minha peça chave, se eu a perco depois passo a ser descredibilizado por ter falhado na tomada de conta da minha peça, é um jogo que não é fácil, muita gente se perde por isso mais vale ter duas ou três peças boas no mercado porque ter duzentas, como vais controlar duzentas pessoas , não vais ter mãos para controlar isto tudo, é melhor ter boas peças, fazer um trabalho de casa.
A falta de Energia Eléctrica
Mas foi uma adolescência e uma juventude de cinco estrelas, é verdade com todos aqueles apagões de passar quarenta e cinco dias sem electricidade, já passamos isto naquela cidade e, eu não sei se estas pessoas de hoje se lhes acontece isto o que fazem, como viverão. Claro havia uma pessoa ou outra pessoas que tinha geradores mas o gerador não era para ficar ligado vinte e quatro horas, mesmos as pessoas que tinham não passavam a noite com o gerador ligado, só depois muito mais tarde quando as coisas melhoraram e as capacidades das pessoas mudaram, é que se teve capacidade para comprar outras coisas, as coisas que todas pessoas passaram em Luanda, falhava a luz e ficavas com a comida estragada, lembro-me perfeitamente da minha mãe deitar comida estragada.
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Lisboa, semana de 02 de Janeiro de 2022