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A Música Nacional e as Organizações Juvenis, Alberto Arsênio de Sousa (Beto Sassá)

Alberto Arsênio, conhecido por Beto Sassá é da geração cujo embrião da musicalidade faz parte da cultura angolana pós 25 de Abril, durante o qual a rádio e a televisão divulgavam as letras outrora escondidas nos sons da dikanza. Os portugueses não dominavam suficientemente as nossas línguas para captarem as mensagens africanistas. Caso contrário, muitos outros músicos teriam passado a sua juventude na cadeia. Aos quinze anos de idade forma um pelotão de pioneiros para ensinar a tocar instrumentos da antiga fanfarra da Mocidade Portuguesa e exibe-se na primeira comemoração do dia da Juventude Angolana, 14 de Abril de 1976.

Durante o período de transição vai reencontrar os amigos da Casa dos Rapazes e da Mocidade Portuguesa de Luanda, com os quais participou em acampamentos no Mussulo, na Ilha de Luanda e nas marchas de datas festivas da igreja católica antes da independência. Recorda a façanha de circular gratuitamente nos autocarros públicos no dia 01 de Dezembro desde que exibisse o uniforme da Mocidade Portuguesa, o que o envaidecia por se destacar dos outros.

O pioneiro Sabalo representou as crianças na proclamação da independência de Angola ao içar a primeira bandeira de Angola em conjunto com uma representante da OMA e com um herói do 4 de Fevereiro. Neste dia, 11 de Novembro de 1975, o depoente fardou-se, não para participar em mais um transporte de material de guerra para a Batalha de Kifangondo que ocorria no período da proclamação da independência, mas para participar neste acto. Na véspera, ensaiou o hino nacional até tarde, o músico Carlos Lamartine esteve na sede da JMPLA à procura de miúdos da fanfarra para participarem na composição instrumental do hino nacional.

Foi praticando instrumentos de sopro, com destaque para o desempenho no conjunto de Matadidi Mário, o músico quase construiu uma orquestra, tinha doze metálicos, dos quais os angolanos, Santana e Beto Sassá. Durante a libertação dos restantes países da agora SADC, incentiva instrumentistas sul africanos do ANC a formarem o conjunto AMANDLA. Actualmente, dedica-se ao resgate do semba e de outras sonoridades antigas, cujo risco de extinção já foi maior, fazendo referência aos novos guardiões como o Eddy Tussa. Esta memória descreve o papel e factos dos conjuntos Matadidi, Afrobeat, Economic Jazz Band e de músicos entre os quais o seu falecido irmão, motivador da sua veia musical.

Descreve ainda memórias da sua outra profissão desempenhada na companhia marítima ANGONAVE, cujo cargo principal foi a representação nos Países Baixos e em Portugal.

Estas memórias foram colectadas quase de forma espontânea, i.e., o entrevistado conduziu o diálogo e durante a transcrição nota-se fluência estruturada.

Introdução

Alberto Arsénio de Sousa, este nome era o nome de um tio-avô paterno, por isso a minha avó chamava-me por meu cunhado. Nasci no bairro Indígena onde está actualmente a Cidadela Desportiva. Meu pai era funcionário da Administração Civil, portanto teve fácil acesso a essas moradias.

Ensino

Entrei para a instrução primária na escola dos padres da Igreja São Domingos, onde fiz o primeiro ano. Depois, os meus pais mudaram-se para “aquele” bairro indígena conhecido por Saiotes[1], na área dos congolenses pertencente a Companhia de Diamantes, onde morei e cresci até aos quinze anos de idade. Fiz a quarta classe na escola hoje chamada escola da Ginguba. Depois, estudei o ensino preparatório na Escola João Crisóstomo, actual N`Gola Kanini e segui para a escola Industrial Oliveira Salazar, hoje Instituto Makarenko onde concluí o ensino médio.

E quando implantaram o pré-universitário, outrora (se não me engano) era chamada Secção, estudava-se mais dois anos para ter acesso a faculdade. Quando estou no pré-universitário[2], por qualquer razão, já tínhamos professores cubanos das Brigadas Che Guevara e houve uma altura em que eu me zanguei e já não estava muito bem com aquela situação, já tinha outras ideias. 

E um dia aborreci-me com a professora porque ela estava a ensinar uma matéria que eu já tinha dado na Escola Industrial e eu interrompia-a muitas vezes, ela não achou correcto e disse que estava a dar elementarmente e eu disse-lhe que já tinha estudado aquela matéria, insisto e entramos em contradição. Ela ficou zangada e disse-me “companheiro Berto ou se vai você fora da sala ou me voy eu”, eu digo “não saio, porque eu vim cá para estudar. Naquela altura, os colegas com aquele espírito revolucionário disseram “camarada Beto saia da aula”.

A partir daquele dia, não tive outra alternativa a não ser amadurecer a ideia de sair do país com a intenção de continuar os meus estudos em outro sítio. A tendência era ir para Portugal onde estavam os meus amigos. Naquela altura, não era fácil cumprir com os requisitos e as exigências eram complexas, fui analisando formas de sair do país até ir trabalhar na ANGONAVE. Depois de várias etapas, em outras condições o empregador proporcionou-me a saída do país.

Ao longo desse percurso, fui sempre um funcionário da música, aliás tive um irmão mais velho que se chamava Arsénio Manuel de Sousa, tinha o nome do meu avô. Era músico, cantava e tocava guitarra, chamavam-lhe o Percy Sledge de Angola, porque o imitava. Tínhamos diferença de cinco anos e eu o acompanhava nos sítios onde ele tinha acesso, era em escolas e festas de escolas, porque naquela altura antes do 25 de Abril ele frequentou a Secção e depois foi para a tropa portuguesa.

Antes, esteve na Mocidade Portuguesa, onde tinha grande influência, porque já ostentava uma patente alta e eu segui-o, foi por inspiração dele.

Mocidade Portuguesa

Pertenci ao Centro Extra Escolar nº 1, também chamado Centro de Engraxadores. A Mocidade Portuguesa era uma organização juvenil do Estado, tinha a ver com o Ministério da Educação. Mas, não havia muito diferença entre os Escoteiros e a Mocidade Portuguesa, uma ligada às organizações religiosas e outra ligada a administração do estado, tanto mais que houve quem dissesse que era a organização de Salazar, a fivela do cinto da farda era um “S”, até chamavam bufos aos membros da Mocidade Portuguesa que atingissem escalões altos.

Contudo, foi uma organização onde aprendemos, independente do cariz político, aprendia-se muita coisa e aprendi muito.  A ela devo parte dessa minha vivência “tiro o chapéu”. Onde eu estive, o Centro Escolar 1, era uma área da Mocidade Portuguesa que tinha a ver com os bairros, por isso chamavam Extra Escolar, quer dizer qualquer indivíduo podia-se enquadrar, embora existisse uma certa selecção.

A Mocidade Portuguesa apenas integrava filhos de assimilados?

Havia classes, repito, havia classes, tanto mais que só entrava para a Mocidade Portuguesa quem entrasse para o ciclo preparatório. Normalmente, era a partir dos dez anos de idade durante o ciclo preparatório.   E não era acessível aos alunos de todas as escolas, não era para os estudantes da missão católica, era para os estudantes da escola pública. Mais tarde, acharam que deveriam incluir outros e criaram a Extra Escolar, o pessoal era seleccionado, eram os estudantes dos bairros indígenas entre outros, ali não havia aquela exigência existente nas escolas preparatórias.

Tínhamos várias disciplinas, fazíamos acampamentos onde prestávamos provas, havia quem achava semelhanças a um regime militar devido a disciplina que tínhamos, apenas faltavam-nos armas. Aprendemos pontos de direcção, pontos cardeais, primeiros socorros, provas de resistência, uma série de acções semelhantes às que as organizações juvenis fazem hoje.

A marcha dos pioneiros

Tenho procurado por uma publicação do Jornal de Angola de 14 de Abril de 1975, no período das comemorações da data da JMPLA houve aqui umas festividades com a participação de pessoas que vieram a comemoração da data da JMPLA pela primeira vez. Vieram delegações do Congo Brazzaville, de Conacri e de outros países. Clubes de futebol, orquestras de música, entre as quais a orquestra de Baqui de la Capital e a Los Angeles, de Brazzaville. A JMPLA organizou um quadrangular com quatro seleções constituídas por antigos futebolistas angolanos de renome, a selecção de Congo Brazzaville e outras duas.

No intervalo de um dos desafios eu entrei com um pelotão de pioneiros a marchar, a fazer uma demonstração de Ordem Unida. O público não conhecia, não sabia da existência destes pioneiros e o que eles marchavam. Aquilo, foi uma coisa “cozinhada” lá na JMPLA sede com o Manuel Van Dúnem que era o coordenador com quem eu trabalhava directamente. E por que fiz isso? Porque eu já tinha alguma instrução de ordem unida, aprendida na antiga Mocidade Portuguesa onde fui Chefe de Quinas, havia as patentes: Alvorada, Comandante de Castelo, Comandante de Bandeira e o da Falange. Eu conhecia a Ordem Unida muito bem porque era corneteiro, eu é que dava aqueles toques de Ordem Unida, imitando “Pá pá pa rá, pessoal firme!” e nos acampamentos eu tocava o refrão ao levantar e ao recolher.

Então, o que é que eu fiz?  Na altura, como já estavam aqui alguns guerrilheiros vindos do Maqui, aprendi com eles a Ordem Unida das FAPLA, do exército do MPLA. Não custou muito, porque apenas foi adaptar a Ordem Unida Portuguesa a Ordem Unida das FAPLA. E este pelotão de pioneiros era constituído maioritariamente por pioneiros que vinham comigo da Mocidade Portuguesa, pertencíamos a um Centro Extra Escolar que era um centro de bairro. Aliás, inauguramos aquela sede da JMPLA[3],  nos Viriatos, junto ao mercado dos congolenses, pertencente à Mocidade Portuguesa. Conhecia bem aquelas estruturas todas desde a inauguração da Mocidade Portuguesa por isso, consegui mobilizar aqueles miúdos todos.

Naquela época, nem havia fardamento, um uniforme definido de pioneiros e então o que eu encontrei? Havia muitas boinas verdes da Mocidade Portuguesa e camisolas brancas, usadas para o desporto e para o dia de desfile. Pedi aos miúdos “arranjem calções pretos, temos aqui camisolas brancas”. Peguei naquelas boinas e como as do MPLA eram pretas, as verdes eram usadas pela FNLA e fui ao mercado dos congolenses comprar tinta de tingir, peguei trinta boinas e fui “cozinhando” para tingi-las a preto. E no intervalo de um dos jogos apresentei-me com o pelotão de pioneiros. Mais tarde, evoluiu para a marcha com um esquema cantado “arrastou, comandou, 1-2-3…”. O acto foi publicado no jornal da época, hoje é o Jornal de Angola.

A banda da JMPLA e a viagem com o Presidente Neto

Continuei com aqueles pioneiros na JMPLA. Aliás, confiavam em mim porque eu conhecia a instalação na íntegra. Inclusive, a Mocidade Portuguesa deixou os instrumentos da fanfarra musical, o que eu fiz? Entre aqueles miúdos não havia ninguém da fanfarra, mas peguei nas cornetas, clarins, tarolas e no bombo e instruí-os, fiz um grupo de cerca de quinze elementos, eu também tocava, tocava de tudo um pouco, instrui-lhes também a tocar clarim, instrumento parecido com o trompete, mas sem pistões, as notas e as escalas são tiradas com o beiço.

Depois, o que aconteceu? Aquele grupo serviu para animar as inaugurações das delegações do MPLA nos municípios e nas comunas, aliás uma vez viajamos com o Presidente Agostinho Neto. Saímos do Futungo, percorremos comunas e municípios a partir de Viana até ao Kwanza Norte, só não passamos o Kuanza Norte porque já estava inseguro. Estávamos no início da guerra civil e havia grupos dispersos. Agostinho Neto não se sentiu seguro em passar de N`Dalatando para Malange.

De qualquer forma, ele recebeu um comunicado a informar que o exército português tinha atacado aqui o COL na Vila Alice e havia baixas do MPLA, foi quando o Nelito Soares[4]    foi morto. Então, tivemos de interromper a viagem, regressamos ao Dondo. A noite ele reuniu-se connosco durante a fogueira dos Comités de Acção e disse-nos “vamos ter de regressar para Luanda, temos problemas…, há baixas do nosso lado e a missão termina aqui”. Recolhemo-nos e no dia seguinte de manhã, cedo metemo-nos em marcha para Luanda e encontramos a história do exército português ter morto o Nelito Soares.  Foi por isso que deram o nome de Nelito Soares a um dos bairros do distrito do Rangel.

Os primeiros guerrilheiros que chegaram e tomaram conta das instalações da JMPLA vieram todos esfarrapados, não tinham nada, absolutamente nada. Eu ia abrindo os compartimentos e mostrava-lhes o que lá havia, nem uniforme as FAPLA tinham. O MPLA dava pena, por exemplo os soldados podiam estar trajados com uma calça camuflada do exército português (havia aos pontapés) e outro vestiam calças diferentes.

Em termos de tropa o MPLA também não tinha. Nós miúdos aprendemos a manipular armas, alguns sem treino, era “põe a farda e fica também aí” para preencher o exército.  A UNITA estava bem uniformizada, a FNLA então já nem se diz. Na época, quando “entraram” havia as forças de intervenção (já não me lembro do nome), os três (referindo-se aos movimentos de libertação) faziam patrulhas durante o governo de transição, em sítios de diversão como na Feira Popular e nos circos. Viam-se guerrilheiros da UNITA todos bem uniformizados, disciplinados e organizados. Os da FNLA também todos muito bem organizados, era uma disciplina, era quase um exército regular, todos bem equipados, com uniforme e armamento. O MPLA não! Uns sem uniforme, uns com Kalasnjikov e os outros com SKS.

Até hoje, fico estupefacto como é que o MPLA conseguiu! Foi a política do Poder Popular. Eu lembro-me de quando fomos abrir a delegação do MPLA em Ambrizete, a meio do caminho a caravana cruzou com os camiões da FNLA do Ambrizete. A seguir a FNLA tirou o povo de Ambrizete e levou para o Ambriz enquanto o MPLA estivesse lá.  Por mais incrível que pareça, quem chefiou a delegação do MPLA foi o mais velho Lanvu Emmanuel Norman do programa de rádio “Ekangu Angola”. Eu olhava para aquilo, não havia nativos locais e apenas duas ou três famílias de mestiços aderiram ao comício.

Também, me lembro de uma viatura atropelar uma criança, quase havia de rebentar a guerra. No dia seguinte, viemos embora e depois ouvimos dizer que a noite começou a quitota[5], os nossos camaradas do MPLA vieram a pé até Luanda escorraçados pela FNLA.

Continuando, eu andava ligado também à política porque fui muito bem recebido e acolhido pelos responsáveis da massificação. As coisas foram evoluindo e eu sempre direcionado a parte cultural, a música, nunca tive muito jeito para política, a minha veia foi sempre a música.

“Por que carga de água” não sei, a JMPLA recebeu uma oferta da então URSS de instrumentos de banda de música.  Em uma banda de música já há necessidade de ter naipes de trompete, saxofone, trombones, tuba, contrabaixo e outros instrumentos. Até que se instruísse o pessoal para dar aulas, nunca mais iríamos avançar, depois lembrei me “eu tenho os meus amigos da Casa dos Rapazes com quem eu tocava muitas vezes no tempo colonial, a Mocidade Portuguesa fazia sempre parte das festas das igrejas, de Kifangondo, de Cacuaco e da Muxima”, juntamo-nos. Pouco tempo depois da independência, a religião começou a perder força, fruto da situação política e muitos elementos foram abandonando a música. 

O ensaio do hino nacional

Nos dias 9 e 10 de Novembro foram pedir voluntários a “Jota” porque a guerra estava à porta de Luanda em Kifangondo.  Foram pedir voluntários, tinha chegado material de guerra para as FAPLA, para ajudar a transportar material do R-20 que já tinha sido tomado pelas FAPLA. O material era para o destacamento feminino na Funda e eu integrei esse grupo. Fizemos várias viagens que começavam de manhã cedo, na última viagem eu fiquei porque queria assistir a independência e como se não bastasse estavam a gravar o hino na Rádio Nacional.

Este hino foi gravado “por cima do joelho”, a correr devido às mudanças. Havia um grupo coral da OMA, estavam a tentar gravar, mas com muitas dificuldades em termos de marcação de compasso e o Lamartine diz “temos a banda da Jota, vou lá ver se apanho algum tocador de tarola, pelo menos para marcar o compasso”, ele vai lá e encontra-me:

  • não há aqui nenhum tocador de tarola?
  • eu também sou tocador de tarola
  • então vamos.

Fomos para a Rádio Nacional, ficamos o dia todo a ensaiar, estava o Rui Monteiro e o Lamartine a fazer o papel de um Regente de Orquestra. O papel dele era orientar o grupo coral, tanto é que o Manuel Rui Monteiro ficou zangado comigo, eu vestido de calções e cansado e ele “não, repete, repete, isto está mal”, eu estava a ficar cansado e o Manuel Rui “que raio de músico és tu, tens de estar afastado do encosto”, continuei a tocar. Apenas sei dizer que ensaiamos até a meia noite, cansados, “…e amanhã novamente!”. Isto na véspera da independência, “isto já não dá para mais, vamos descansar” e voltamos no dia seguinte.

O hino que estávamos a ensaiar no dia anterior era “Avante, povo, avante povo, avante povo, até a vitória, marchar”, lembro-me como se fosse hoje, decorei porque fiquei ali muitas horas a ensaiar; no dia seguinte, já não era esse hino, agora é “Ó pátria…”, o actual hino, foi uma mudança de dia para noite.

 O dia da Independência

Depois de terminarmos, desmobilizados tive o prazer de vir até ao Largo da Independência. O miúdo Sabalo, o pioneiro que içou a bandeira com o senhor do 4 de Fevereiro e a senhora da OMA, aquele pioneiro era do tal pelotão que eu formei na JMPLA, na ocasião estava a Ângela Bragança. Ele acabou por morrer, era gémeo, morava atrás dos Congoleses, havia umas casas redondas   Ele aparece nas imagens do Içar da Bandeira de Angola, era do meu pelotão. Eu até vim fardado de FAPLA.

Depois de Agostinho proclamar a independência, (ele sai por trás), não havia fogo de artifício, o fogo de artifício eram as balas tracejantes, abriu-se fogo “pá-pá-pá” havia uma ante área instalada neste prédio do 1º de Maio. Quando começou a “cuspir” tiros, parecia mesmo fogo de artifício porque eram balas grandes e depois, a faísca era de outra cor, parecia mesmo fogo de artifício, o pessoal a brincar com as armas.

E o resto do pessoal foi para o palácio onde se deu a continuidade do festejo da independência. Eu não fui até ao palácio, fiquei por aqui a pensar em voltar para a Funda. Lembras-te que se estava a proclamar a independência e nós aqui a ouvirmos o ribombar dos canhões a partir da Kifangondo!

Retornados

Quando foi a apresentação das cartas da viúva de Amílcar Cabral eu conversei com o Paulo Lara. Quando ele veio do maqui ficou a viver na “Jota” (JMPLA) com o pessoal, era uma pessoa muito atenta, se ouvisse um tiro saía logo a correr com aquele espírito militar que tinha, era muito ativo.

Em tempos estive a ouvir um depoimento do Lúcio Lara sobre os Acordos de Alvor e sua violação e como estavam constituídos os movimentos e suas tendências, a história da guerra fria. Eu senti muito por aquele senhor, pela maneira que ele depois foi tratado.  Lembro-me da chegada do Lúcio Lara, da Delegação do MPLA, eu estava no aeroporto. Acompanhei todo o cortejo até a entrada na Dona Amália[6], no Rangel, só que depois com a euforia da idade, invés de ficar na Dona Amália onde havia o comício fiquei na estrada a frente do stand Barata, onde havia uma confusão infernal.

No dia da chegada da primeira delegação do MPLA em Luanda, o povo eufórico partiu para o desacato, taxistas a serem atacados, os portugueses que passavam por ali estavam a ser atacados. Lembro-me como se fosse hoje, em frente ao stand Barata (eu  a ver),  na Avenida Brasil: tiraram o taxista do carro e viraram o carro ao contrário para deitar fogo, até aparecer um Unimog com tropa portuguesa para controlar a situação. Quem vinha a comandar o UNIMOG era o General Zé Maria, naquela altura ainda como tropa portuguesa porque os angolanos ainda não tinham passado pela peluda.  Era ele a pedir calma ao pessoal patrício, a pedir calma “parem com isso”, lembro-me como se fosse hoje.

Os retornados foram para Portugal porque quiseram ou porque sentiram medo?

Eu tinha quinze anos, a minha percepção é que foram embora porque quiseram, com alguma razão por que se aperceberam antes da questão do Acordo de Alvor, não ia dar certo, diziam “vocês vão se comer entre vocês”, os que pensaram assim foram embora. Porque é só ver que ficaram muitos portugueses e não lhes aconteceu nada, alguns poucos criaram medo e preferiram ir-se embora, é normal. Mas hoje, ainda há oficiais superiores da FAPLA que são agora das FAA descendentes de portugueses, alguns são portugueses de naturalidade, mas angolanos de nacionalidade. E eu lembro-me que na altura, no meio da euforia toda, havia portugueses metidos na questão da revolução e nas associações dos estudantes. As pessoas sentiram medo e não deixaram de ter razão por que não se sabia, não havia garantia de segurança e não deixavam de ter razão “a qualquer momento, em casa eras invadida”.

Alega-se ter começado com os ataques aos comerciantes, a invasão dos comerciantes nos bairros de Luanda e eles criaram uma estrutura de defesa, foram-se defendendo porque tinham armas, caçadeiras.

Depois, aquilo criou mais raiva e as pessoas começaram a escorraçá-los e aquela forma de escorraçá-los nos musseques estava a vir para a área urbana, então eles começaram a ver “isto aqui não está muito seguro”.

Foram-se sentindo desprotegidos pelo próprio exército português. Naquela altura, do que eu me lembre, nem a FNLA e nem os outros dois braços armados tinham o poder que o exército português tinha. O exército português a qualquer momento se quisesse dizer “parem com isso, ponham-se nos vossos lugares porque senão a gente põe-vos na linha”, conforme fizeram algumas vezes fariam isso. Mas eles não, muitas vezes digo “foi cobarde”, porque no 11 de Novembro na altura de arriar a bandeira o último contingente retirou-se e não quis saber! Muitas pessoas acharam isso um acto de cobardia. 

As mortes que se viam, e o pessoal a sentir-se desprotegido, encorajou o pessoal a encaixotar os seus haveres.  Porque muitos que se foram embora, foram no intuito de regressar caso a situação se fosse restabelecer. Foram acabando os focos de tensão.

Também por isso, é que muitos deixaram as casas fechadas, outros deixaram as casas com os criados (como eram chamados) ou com os seus funcionários. Eu sei de indivíduos que conseguiram ficar com as casas durante muito tempo. Por exemplo, no anexo da casa ficou o antigo empregado.

E depois com o aumento do fluxo da guerra e os assaltos as casas, houve as invasões, escrevia-se “Esta casa está ocupada pelo camarada FAPLA…”, até hoje passo em sítios onde há vestígios destes escritos.

 Luanda ainda tem vestígios dos acontecimentos de 1975.

 A banda do Matadidi Mário

…O Sanguito[7] era da Casa dos Rapazes relacionada à Religião, era eu, o Santana, (lembras-te do Santana que tocou comigo no Matadidi), usava um jimmy grande, agora é administrador da Área Marítima. A partir daí, há um indivíduo Marcelino Bonzela Franco que tocava no conjunto os Angolenses, ensaiavam na Rua Fernando Pessoa, em casa do Vinícius e convida-me:

  • olha, vai lá ter com os Angolenses
  • epá, mas eu nunca toquei em conjuntos
  •  mas, vai lá, já vi que tens jeito de improvisar.

E lá fui, eu acho que fizemos três a quatro ensaios aqui na Vila Alice e depois fomos para o Marçal, ensaiávamos em casa do Chico Coio[8], um artista conhecido, já falecido, que era o baterista do conjunto Rua que agora chamam Estrada Nova do Marçal.

Naquela altura, as bandas e os conjuntos em Angola estavam muito em baixo, não eram mobilizados, não tinham aparelhagem, etc. E os antigos conjuntos eram muito selectivos e o próprio regime obrigava a que isso fosse assim, porque sabemos que depois do 25 de Abril muitos conjuntos não foram bem vistos devido à adesão de músicos à FNLA, como o Teta Lando e o Massano Júnior. Depois, o MPLA começou a seleccionar, havia conjuntos que eram de preferência, para animarem as festas deles no Futungo e um destes conjuntos era o Angolenses. 

Mas depois, eu vi que os Angolenses não era um conjunto muito maduro para o que eu já aspirava e apareceu o Matadidi[9] em uma actividade em que fomos tocar no Morro da Luz, onde funcionou o Estado Maior. O Matadidi vê-me a tocar e chama-me em um momento oportuno:

  • ouve lá, tu queres vir tocar connosco?

e eu olhei para a dimensão da orquestra dele e disse:

  • porque não, vou
  • então, está bem, aparece no ensaio e vamos tocar.

Eu apercebi-me que a intenção do Matadidi era formar uma orquestra e conseguiu porque houve uma altura que em termos de metais éramos cerca de doze: quatro trombones, quatro saxofonistas e quatro trompetistas. Fui tocando com ele, o que me deu maior experiência porque ele já vinha de um sítio onde a música estava muito mais avançada e com grandes influências. Em Angola as bandas urbanas antigamente não tinham sopro. Lembro-me que o único conjunto (como se chamavam antigamente) que tinha sopro era o Águias Reais[10],  tinha um saxofonista e um trompetista, o Costa Uampa e o Manuel António que eram da Casa Pia.

Havia diferença entre a Casa dos Rapazes e a Casa Pia, a primeira era para as pessoas desfavorecidas, outras encontradas na mata, sem familiares, sem nada, trazidas pelo exército português, uns com o Atestado de Pobreza eram recebidos pelos padres e pela Igreja Católica; quanto a Casa Pia era para rapazes em conflito com a lei, era como se  fosse o Tribunal de Menores. Ficava na Casa da Reclusão, na Boavista e a Casa dos Rapazes era naquela rua agora chamada rua do Palanca.

Fui tocando com o Matadidi, aprendendo e consegui ir buscar mais três indivíduos que eram da casa dos rapazes para juntar a naipe de sopro do Matadidi, entre os quais o Santana e o Carlos, fomos tocando com ele, fomos nos adaptando ao estilo e conseguimos sobressair.

O primeiro show[11] em que toquei com o Matadidi foi aqui na Cidadela Desportiva, nunca mais me sai da memória, o povo só ouvia na rádio a música “Obrigada, obrigada Agostinho Neto”, ouviam, mas para quem toca e quem canta é diferente, o povo de uma forma geral não o conhecia. Havia o conjunto da JMPLA o Kissanguela. Neste dia estavam programados dois conjuntos, eles tocaram e acompanharam os artistas, quando anunciaram o Matadidi as pessoas começaram a ir-se embora “quem são esses?”, quando nós começamos com aquela entrada, com o refrão “obrigada, obrigada, obrigada Agostinho Neto” o pessoal apercebeu-se do som e regressaram. Foram pisoteados.

Aquilo foi: “rebentamos com a Cidadela”, nós no palco a tocar e o povo a atirar moedas, tínhamos de esquivar as moedas para continuar a tocar, tanto que até hoje é polêmico. há uns programas de música como o Poeira no Quintal onde se tem abordado este assunto: “o Matadidi deu uma “porrada” no Kissanguela, quando entrou com o “Café, Café e o Obrigada” com essas duas músicas.

Depois o que acontece? O Matadidi regressou a Angola, tal como a maioria pela fronteira do Uíge, quando esta foi aberta na sequência de uma negociação onde Agostinho Neto e Mobutu acordaram o último deixar de apoiar a FNLA e o primeiro abrir a fronteira norte de Angola. 

O Matadidi era do Trio Madjezi que tinha a Orquestra Sosoliso, trio constituído por um angolano, um congolês do Congo Brazaville e um congolês do Congo Kinshasa.

A partir do show na Cidadela foram recebidos e apoiados pela JMPLA “estou aqui, trouxe alguns músicos”. A JMPLA cuidava deles e por isso é que fomos escolhidos para aquele festival. E já não paramos, participamos em tudo que eram actividades do MPLA, eu conheci Angola inteira com o Matadidi, andamos por Angola inteira. 

Então, o Matadidi tornou-se uma orquestra famosa, onde fossemos tocar para entrarmos no recinto as FAPLA tinham de abrir fogo “era o povo a querer entrar para ver o Matadidi até mais não”, as FAPLA tinham de estar a proteger-nos, pelas províncias, eu acho que já fomos recebidos em províncias melhores que alguns presidentes ( risos).

Lembro-me quando tocamos em outro festival no estádio de futebol da Cidadela e no dia seguinte arrancamos para o Uíge, quando o avião estava a aterrar consegui olhar para a pista: havia povo que nem imaginas, as FAPLA e a Polícia a proteger-nos, entramos para os carros, desde o aeroporto até ao sítio onde ficamos hospedados  havia povo na beira da estrada,  entramos no  hotel, era colocar a cabeça a janela … o povo só queria ver o Matadidi e esse cenário aconteceu em  quase todas as províncias.

Era a melhor banda?

Era uma nova forma de tocar e de dançar, o Matadidi era um showman e isto não acontecia com os nossos conjuntos. Os músicos a tocarem em palco normalmente ficavam estáticos e com o Matadidi não “em palco todo mundo se mexia, havia show, os back vocals estão sempre a dançar, os sopristas a fazerem aqueles gestos com os instrumentos”.

Ele é um fã do James Brown, o estilo de vestir, a forma de dançar, era tudo virado a James Brown, tanto é que por esta influência não fiquei descansado enquanto não vi o James Brown ao vivo (sorrisos). Aquela promoção do álbum de James Brown “Live in America” cuja capa do disco aparece a Torre Eiffel, eu assisti na sala de espetáculo Vorse National, em Bruxelas Já estava mais velho, cansado, mas ainda deu um show a cantar e dançar a Sex Machine: ele escorregava um pouco e a plateia toda levantava e ovacionava, já não tinha muito fôlego para dançar e o pianista dançava como o Michael Jackson.  Foi um privilégio ter visto este espectáculo.

Foi uma pena o grupo ter-se desfeito, começaram a surgir pela primeira vez… e o serviço não era remunerado, era por amor à camisola, o que é que o MPLA fazia? Dava alojamento e logística, mas não havia dinheiro. A primeira vez em que eles permitiram que o Matadidi desse um show com fins lucrativos foi na Tourada, realmente aquilo encheu e foi muito dinheiro. Não sei por que razão o Matadidi na época da distribuição disse: eu sou o dono do conjunto e vou fazer-vos um salário, foi distribuindo os envelopes e ficou com a maioria do dinheiro. O pessoal ficou zangado, houve protestos e a banda acabou praticamente a partir daquele momento, chegou a haver cadeias, houve dispersão de músicos.

A banda da guarda presidencial

Eu já trabalhava na Angonave, um certo dia venho a casa almoçar, ligo o rádio para ouvir o noticiário e ouço a notícia do recrutamento. Existia o recenseamento e de tempos em tempos chamavam os recenseados e era publicado no Jornal de Angola. Eu estou a almoçar ouvindo o noticiário e oiço o meu nome “estou a ouvir bem, para tropa?”. A segunda vez, no noticiário da noite, fiquei a ouvir atentamente, até ouvir o meu nome.

No dia seguinte, compro o jornal e vejo o meu nome, numa altura em que na empresa já havia planos para eu ir para o exterior, de princípio até seria para uma formação. Apresentei a questão a direcção da empresa que ainda tentou fazer alguma coisa porque havia pouca gente na empresa com conhecimento da língua inglesa e para a área comercial (shipping business) o inglês é primordial, é a língua dos termos técnicos e os outros são todos também em inglês, o director ainda tentou falar com o Ministro, pedir o adiamento, mas negaram sempre. Eu só me dei conta mais tarde da razão? No dia da minha apresentação eu cheguei tarde e já estavam os outros à espera, chego e vejo a chefia a apontar:

  • este, aquele…, mas não estava a horas, não sabe que a partir da altura em que se é chamado já se é soldado, vá deita-te de barriga para o chão

deram-me uma “esfrega”

  •  entra para a formatura!

eu pensei “eh caramba”, não está fácil, vejo um grupo de comandantes a aproximar-se e dizem:

  • o camarada aí, saía da formatura
  • eu?
  • sim senhor, o camarada aí saía da formatura

eu a pensar assim “não me digam que o pedido de adiamento funcionou “é para eu sair da recruta”

  • pois, o camarada toca, toca nos conjuntos…
  • sim, sim
  • o camarada saia já da formatura e vem para aqui

Foi naquela unidade onde está a Guarda de Honra Presidencial.

  •  A partir de agora fulano e fulano, rapar o cabelo aos recrutas, vai ficar aqui e integrar a Banda de Honra da Guarda Presidencial

eu disse cá para mim “ainda bem, ao menos fico em Luanda na Banda da Guarda Presidencial, em Luanda, daqui não saio”, fiquei integrado na banda de música.

Porém, eu achei que aquilo não era para mim, era bom, era uma espécie de tropa de elite. Mas, era uma “seca”, ir buscar os presidentes ao aeroporto, tocar nos desfiles. Por exemplo, havia um programa onde se ia prestar honra aos presidentes visitantes, uma vez fomos buscar o Mobutu. Uma a duas semanas antes, recebíamos o hino nacional de um país e tínhamos de ficar a ensaiar para depois tocarmos a chegada do Presidente ao aeroporto, era como se faz actualmente: há a formatura, o Presidente sai do avião, faz revista a guarda de honra, toca-se primeiro os hinos nacionais e depois a Marcha de Encontro enquanto eles fazem revista a Guarda de Honra. Achei que não era ali o meu lugar, lutei, fiquei muito pouco tempo, não fiz dois anos.

O pessoal dizia “o quê, tu saíres daqui, da Guarda de Honra, tu não sais”. Naquela altura, a Guarda de Honra estava muito pobre, não havia este controle, tão pouco pessoas que soubessem tocar, tanto é assim que depois fui dar conta que o grosso do pessoal era os músicos da Casa dos Rapazes do Huambo e de Luanda, entre eles alguns tinham tocado comigo na JMPLA como o Beto Pederneira[12] que hoje é um grande músico. Ele e o Mendinho foram para a Rússia fazer o curso de Conservatório e depois ele tornou-se o director da banda. E eu saí, tive de arranjar uma artimanha, em termos de saúde, com o fito de voltar para o emprego.

A banda do ANC, AMANDLA

Naquela altura, havia a Sede do ANC em Angola, aqui no bairro e eu já falava inglês.  Sempre que cruzava com pessoas do ANC tinha interesse em praticar inglês, o pouco que eu trazia da escola, ia interagindo com eles pelo bairro até trazê-los cá para casa. Durante um certo tempo, a casa parecia o consulado deles, a minha mãe “passava-se” mas compreendia, até as festas de Ano Novo e de Natal eram aqui, brindavam comigo.

Mais tarde, apercebi-me que eles tinham instrumentos e por vezes aparecia algum a dar uns toques nos instrumentos, mas não tinham uma banda organizada. Em conversas e convívios fui encorajando-os “ao invés de estarem a tocar deste modo vamos formar uma banda”. Eles falaram com o responsável deles e ele concordou, começamos a ensaiar, já com eventos definidos, fomos ensaiando e eu o único angolano da banda. Eles consideraram-me pelo facto de eu ter sido o impulsionador porque diziam que alguns já tinham tocado em uma banda em Moçambique, mas como estavam sempre a mudar de residência era difícil, aqui permaneciam mais algum tempo.

Fomos tocando até conseguirmos acertar as coisas e a partir daí começaram os convites, primeiro tocamos em datas comemorativas deles e depois começamos a ter muitos convites para tocarmos nas escolas, nos liceus e em algumas actividades do MPLA, a banda foi evoluindo. A partir do momento em que chegassem novos músicos integravam a banda. 

Evolui de tal forma que depois conseguiram criar o grupo cultural Amandla[13] que tinha a secção de teatro e a Campus Dance. Uma dança tradicional da África do Sul durante a qual os dançarinos calçam botas de chuva, foi crescendo. Fiz apenas uma viagem ao interior com eles, fui ao Moxico, ao Luena por comemoração do 14 de Abril, foram vários artistas, lembro-me que o actual Ministro da Cultura, Filipe Zau também foi cantar.

Momentos marcantes, 1974-1978

Naquela euforia do período de transição 1974-1975, conheci filhos de portugueses que ficaram em Luanda e nós desfilamos por aquelas casas, ainda demos umas festinhas. Ao lado da Casa do Alentejo vivia o director da SOCAR, empresa representante da Honda em Angola. O Gita, o Adriano, o Lareco e eu frequentávamos esta casa luxuosa porque o filho do senhor era nosso amigo. Por qualquer motivo, ele desapareceu. Entre 1977-1978 muitos estudantes foram se embora.

Neste período, comecei a trabalhar na ANGONAVE porque os meus amigos começaram a partir para antiga metrópole. O “A” e eu pensamos como iríamos embora, não era fácil, eram muitas exigências, ter carta de chamada, licença militar, etc.

  • como vamos fazer, os nossos amigos vão se embora e nós vamos ficar por aqui?
  • há uma companhia angolana com barcos, a iniciar as actividades agora, que tal irmos inscrever-nos como tripulantes ou marinheiros e no primeiro porto abandonarmos o barco e acabou.

Pensei, muito bem “boa dica”, comecei a estudar a empresa, fomos ao porto, vimos o primeiro barco, conhecemos tripulantes angolanos, satisfeitos e eu fui falar com o Rúbio (cruzei com ele há duas semanas) e depois fomos falar com ele. O Rúbio com a experiência de vida diz-nos: “vocês, por aquilo que estou a ver, vocês não querem trabalhar, não tem especialidade nenhuma como oficiais a bordo e pelo vosso perfil não estou a visualizar vocês a rasparem ferrugem ou a pintarem o navio. A vossa intenção é viajar e ir para fora, não é?” tirou-nos logo as “pimpas”. Então, vão, mas vão bem, na primeira oportunidade, para terem um estatuto de oficial a bordo, vou colocar-vos e dirigindo-se ao “A” disse “tu vais ser praticante de rádio e telegrafista”.

O “A” foi para os Correios de Angola fazer um curso básico de comunicação, o curso de morse.

“E tu como já tens noções de inglês ficas na secção comercial que está a nascer agora, vamos organizar isso! Agora, precisamos de pessoas como tu que querem ir para fora, vamos dar-te uma bolsa de estudo, mas por enquanto ficas a trabalhar cá”.

Começamos a entrar em barcos, o “A” foi fazer o curso durante três meses e eu entrei para a empresa a trabalhar com os cubanos. O “A” embarca no navio N`Gola que só fazia o trajecto Angola-Cuba, ele não queria ir para Cuba, claro que não! Estava à espera da oportunidade de ir para o Ocidente, para Portugal ou norte da Europa. Quando teve a primeira oportunidade foi-se embora.

Eu fui aguentando, fui passando por essas como já contei, fui para a tropa.  Conhecemos no Rialto um tripulante e começamos a frequentar o navio.  Conversamos, era uma pessoa excelente e depois ele conheceu a intenção de sairmos de Angola e diz:

  • eu posso ajudar, acomodar-vos aqui sem ninguém saber, clandestinamente e vocês embarcam

Isto não aconteceu, fomos presos. A DISA já andava atenta:

  • Mas, vocês vêm sempre ao porto, os vossos contactos são os comandantes, mas o que é que se passa?”
  • são amigos
  • amizade, amizade…

Afinal, já estavam atentos, no dia da saída devíamos ter chegado muito mais cedo, chegamos poucas horas antes, íamos a subir para o navio e eles:

  • o que vêm fazer aqui? Hoje é o dia da saída do navio
  • viemos passear
  • não.

Pressionaram-nos e levaram-nos para as antigas instalações da DEFA, onde fomos interrogados e proibiram-nos a entrada nos navios.

Até uma época podia-se ir passear nos navios, falava-se com os tripulantes, eles saiam e depois foi proibido.  Alguns dos primeiros marinheiros angolanos em navios nacionais foram o Tony “Marujo” e o Rui Abrantes. Havia os navios, NGola que foi confiscado a companhia colonial e nacionalizado, era dos melhores que tínhamos e depois chegou o Hoji ya Henda.

A ANGONAVE em Amesterdão e Lisboa

Quando saí da banda da Guarda Presidencial fiquei quase seis meses sem trabalhar. Muitas vezes, eu contactava o director da ANGONAVE e ele dizia “nós tentamos e não conseguimos, tu por fora se conseguires… continua a tentar, o projecto para ti continua” e eu lutei, consegui e saí de Angola.

Antes, fui fazendo formações dirigidas por uma equipa de cubanos sobre comércio marítimo, e depois em privado, éramos apenas dois colegas, com uma equipa de iugoslavos. A partir daí o director disse “chegou a tua vez” e fui transferido para o exterior. Inicialmente, era para ficar em Portugal, mas devido à minha especialidade fui reforçar a delegação na Holanda e aproveitaria para dar continuidade à formação que fiz com os iugoslavos. Acabei por ficar na Holanda.

Nunca deixei de levar o meu saxofone comigo. Levei e aproveitei para fazer uma reciclagem ao saxofone, porque no edifício onde estava o escritório no rés do chão havia uma loja de reparação de instrumentos musicais. Tocava em casa sozinho, naquela altura na Holanda não havia nenhuma comunidade angolana, em Roterdão havia um indivíduo conhecido, o mais velho Ramos de Deus já tinha saído de Angola no tempo colonial e também conheci um pastor residente em Maastricht, havia residentes isolados, não havia comunidade. E não tive alternativa senão juntar-me às comunidades caboverdiana e portuguesa. Estava sozinho quando cheguei a Holanda, depois de sair do serviço ia ao Centro 25 de Abril e ficávamos a jogar matraquilhos, falar da terra, tomar uns copos e também frequentava o Tudor Bar, uma discoteca de caboverdianos onde havia uma banda residente, a Apolos[14] e também tocavam outras bandas, fui observando até ao dia em que falei com eles:

  • eu tenho um instrumento
  • traz, traz angolano, podes vir tocar, as nossas músicas são assim, não são muito difíceis

O que eu tocava com eles? Imitava aquelas músicas do Luís Morais, comecei a fazer umas “canjinhas” com eles todos os fins de semana até ao meu regresso.

O que eu passei lá fora? Nem imagine! Primeiro, devido a idade, depois por ter começado a trabalhar e no mesmo dia ter feito um trabalho sozinho.  Fui para Roterdão e para a Antuérpia para carregar um navio, o Rúbio estava lá e disse logo “Beto, você não veio aqui para dormir, vai para a Antuérpia, está lá o navio tal”. Eu já tinha alguma noção com base na formação feita em Angola.

Vou à Antuérpia onde estava o belga da agência com uma placa com o meu nome e disse-me “desculpe, que idade tem o senhor?”. Eu fui na posição de Capitão de Porto e normalmente são antigos comandantes que já navegaram muitos anos e depois por qualquer razão querem ficar em terra ao invés de irem para o mar ficam em terra. Quer dizer que quando o navio chega ao porto ele tem a responsabilidade de visitar o navio e tudo que for operações, carga e mantimentos são da sua responsabilidade e passou a ser a minha tarefa. E ele acaba por receber instruções minhas, como posso dizer, era eu a levar o plano de carga, normalmente discutia antes o plano de carga com o Comandante “Comandante o plano de carga é esse, vamos fazer três ou quatro portos no norte da Europa, e depois dois portos em Angola”, normalmente eram os portos do Namibe, Lobito e Luanda.

Há aquela técnica de acomodar a carga para não interromper depois a operação e eu discutia estes detalhes com os comandantes. Havia comandantes gregos de navios fretados que gostavam de fazer arrumações de forma a “matar o navio em porto”, quer dizer “more days more dollars”. Ao invés de fazer uma operação de estiva em que o navio fica três a quatro dias em porto, ele arrumava-o de maneira a ficar um período entre vinte a trinta dias, i.é. “há dinheiro!”.  E eu discutia isso com eles e o comandante só podia discutir comigo a carga (o tream) porque ele é que vai levar o navio para o mar e se ele me disser “senhor Alberto devido a isso, essa carga vai ficar arrumada desse modo, devido a estabilidade”, não concordo comigo, tudo certo! Mas, me dando conta que ele queria convencer-me, tinha a liberdade de nomear um inspector independente porque há empresas próprias para esse efeito, eu podia nomear um intendente a quem dizia “há esse plano de carga, queria que   emitisse um certificado de carga com todos os elementos. Ele vai lá e diz-me “não” e emite o certificado válido internacionalmente para em caso de acidente não o culpabilizar “olhe está aqui o certificado”.

E eu não tinha prática, aquilo exige muita prática, eu tinha de ter os conhecimentos básicos, mas aprendi mais com os próprios comandantes.  Por acaso, tive muita sorte, muitas vezes eu navegava com eles. Por exemplo, de Roterdão para Antuérpia ia de carro, mas muitas vezes de Roterdão para Hamburgo ou Gotemburgo ia com eles para praticar, falava com o comandante e aprendia como utilizar aqueles instrumentos todos. Muitas vezes, quando ia de avião, enviamos o telex ao agente com os detalhes do voo, eu chegava e estava com a placa com o meu nome “Mr. Sousa”, sou eu! Por vezes, não acreditavam, eu era miúdo. Depois, em conversa vinha aquela curiosidade, “mas você andou em que academia, você é filho do Presidente de Angola?” Ficavam admirados como era eu, com aquela idade, com aquela responsabilidade!

Tive um episódio no porto de Gotemburgo, na Suécia: o navio saiu da Holanda, estava em porto especial, de carga perigosa, carregam quatro tanques de guerra, eram aqueles tanques pequenos que depois estiveram naquelas trincheiras no Futungo de Belas.  Como na época, havia restrição, carregou-se farinha de trigo por cima dos tanques. Houve um descuido em prender-se os tanques, durante a navegação um dos canos de um tanque desprendeu-se e fez um rasgo no casco da embarcação e começou a entrar água. 

Por acaso, o navio estava a chegar ao porto eu ainda não tinha sido avisado, não havia telemóvel. Quando o agente me foi buscar ao aeroporto começou a explicar-me “Mister Sousa temos problemas, os rebocadores de alto mar saíram para socorrer a embarcação e eu porquê?… sarilhos! Fui para o hotel e no dia seguinte quando chegamos ao porto a imprensa já estava toda no cais (sabe como é nestes países), estavam a fazer a manobra de atracação, o navio que já vinha adornado, ele vinha a esgotar a água, mas com os sacos de farinha trigo molhados duplicavam o peso e eles já sabiam ter sido um acidente e haver material de guerra a bordo. O agente muito preocupado “Sr. Sousa vamos ao porto” e eles também não queriam ser entrevistados e comunicaram aos jornalistas “o representante da empresa está a chegar”, ele disse-me “o senhor vai ter muita calma”.  E eu com muito frio, cheguei, apanhei uma brecha e subi ao navio e deparei-me com alguém pronto a entrevistar-me e ao comandante e ele “está aqui o representante da empresa, ele é que vai falar, não vai falar comigo porque eu não tenho autorização para isso”. Disse-lhes para aguardarem um momento e entrei para o camarote do comandante. Eles fizeram o relatório do sucedido, mas não saiu nada na imprensa pública, mas eles insistiram até foram ao hotel. E eu não devia ter falado, porque naquela altura o sistema de segurança interna de Angola era cerrado.

Depois, outros dizem “Beto, mas não pertencente à DISA, para te confiarem operações daquela natureza tinham de confiar em ti”. Não tinha cunha de ninguém, o Rúbio era uma pessoa de visão e tinham de acreditar em jovens porque Angola não tinha quadros.

Sai da ANGONAVE com a ficha limpa, não obstante ter na veia a música, mas eu sabia separar o trigo do joio, fazia o trabalho com responsabilidade. Eles são rigorosos, não iriam ter a condescendência por ser oriundo de um país novo e com quadros muito jovens.

Fui a um aniversário da Rainha dos Países Baixos, porque não havia embaixada nos Países Baixos, a Embaixada de Angola em França é que assistia os países Baixos, na Bélgica também não havia Embaixada de Angola e nós (a ANGONAVE), representava em certa medida o país em algumas actividades.

Apoiamos a passagem de directores de empresas angolanos em missão de compras e de assinatura de contratos. Em várias ocasiões, os acompanhei como tradutor e tive alguns dissabores. Uma vez, acompanhei um indivíduo que procurava um estaleiro para encomendar a construção de umas barcaças para serviço de cabotagem na nossa costa devido a descontinuidade geográfica de Cabinda. Fomos recebidos, estavam à nossa espera e começaram a fazer a apresentação do estaleiro, é dos maiores estaleiros da Europa o da DAMMER, chegou a hora do almoço, eu já conhecia o sistema e durante a projecção no período da tarde o nosso camarada dormitou.

Os marinheiros gostavam de atracar em Hamburgo e em Roterdão pela proximidade a Amsterdão. Uma vez, estava a bordo e o barco estava a fazer a manobra de embarcação e ele puxou o portaló e a escada aberta roçou na grua que não tombou por sorte. Por vezes, nos relatórios tinha de omitir.  E o Rúbio neste caso deu logo conta porque neste caso o meu relatório em relação ao do comandante apresentava incongruências.

A súbita partida de José Agostinho

Passados alguns anos, fui transferido para Portugal e estava para tocar com o Afrobeat, era um conjunto do falecido José Agostinho do Duo Missosso em que fazia o dueto com o Filipe Mukenga que foi dos Endométrios no tempo colonial. O José Agostinho também foi Secretário da JMPLA, depois “caiu” no fraccionismo, teve problemas e foi trabalhar para o Ministério do Comércio até vir para Portugal e não voltou e depois encontramo-nos em Portugal. O Afrobeat era formado pelos Mário`s[15] todos, o Mário Bento era o viola baixo, o Mário Duarte o baterista, esteve na Suécia, o Mário Garnacho, o Mário Rui Clinton o pianista e o Zé Agostinho cantava. 

Mas, ele tinha aquele conjunto como uma espécie de hobby, então como ele tinha a veia da música criou aquele grupo.  Os membros do grupo eram em grande medida suportados por ele, tanto é que depois da sua morte o conjunto acabou.

O diretor do conjunto foi o falecido João Van Dúnem[16], irmão de Zé Van Dúnem, que antes de ir trabalhar para a BBC em Londres trabalhava para o Jornal d’África, tinha muita saída.  Frequentei a casa dos pais deles, éramos chegados, a Chiquinha (Francisca) chegou a ser minha advogada em Portugal, fui julgado à revelia, não tive culpa, seria uma espécie de recebedor, o meu argumento valeu e ganhamos o caso.

O Zé Agostinho morreu numa altura em que estava tudo preparado para a compra de novos instrumentos na Holanda, ele deu-me uma lista de algum material para eu comprar.

Em uma quinta-feira como hoje era o dia em que o conjunto ia tocar no Bairro Alto em um bar e houve um funeral de um marinheiro parente do João Van Dúnem e fomos todos ao funeral.  Depois do funeral fomos para a sala de ensaio que ficava por cima da Casa da Sorte, no quarteirão onde era a Pastelaria Suíça. Por cima havia um centro social onde também ensaiava Fernando Girão e outros músicos. E fomos todos para lá preparar o material porque era dia de show. Sentamos todos ao balcão da cantina e isto muita gente desconhece:  há uma trafulha em relação a morte do Zeca Agostinho “nada disso, eu estava lá”. Estávamos ao balcão da cantina enquanto outros arrumavam o material, estava eu, ele, o Mário Eduardo e mais alguém, de repente ele pediu a empregada:

  • olha, dá-me um pastel (qualquer) e um refrigerante

E a empregada serviu-lhe um rissol, ele ainda elogiou, deu a primeira dentada e virou-se

  • oh Mário Bento isso está gostoso

Quando olhou para aquilo viu que meteu cá para dentro o camarão e ele era alérgico ao marisco e ele:

  • ups (emitindo o início da tosse) mas, isso é camarão! Epá eu sou alérgico ao marisco

Entrou em pânico ao invés de ter calma, ele correu para os lavabos para vomitar, “mandou os órgãos todos cá para cima com aquela força toda que ele fez”, asfixiou e depois, começou a perder a respiração

  • Mário Bento vou morrer, estou a morrer, rápido levem-me para o hospital.

Ele tinha o carro do lado da Praça da Figueira, um Mercedes e o Mário Bento foi a conduzir o Mercedes e ele ia atrás, foram direitinho para o Hospital Santa Maria.  Só que quando chegam, preocupado com a urgência, o Mário Bento só dizia que durante o caminho ele só puxava “vou morrer, vou morrer”. E o Mário Bento quis acompanhar, mas disseram-lhe “o senhor daqui não passa, porque está na urgência”, passado uns vinte minutos vieram comunicar a morte. Ele morreu porque não deixaram o Mário Bento entrar, ele podia ter explicado a ocorrência. Durante o óbito, Mário Bento sentia-se inseguro devido aos murmúrios, tentando culpabilizá-lo.

Eu também fui com o Zeca Agostinho e o Carlos Cunha (OCA) abrir a delegação do MPLA, fiz várias viagens a Calulo com eles.

Tempos livres, Mocidade Portuguesa, anos 70

O Cunene 73 foi uma actividade de quase trinta dias, fizeram uma selecção entre os vários centros da Mocidade Portuguesa, fomos a Vila Roçadas, no Cunene para interagirmos com aquele povo que rejeitava o aculturamento, rejeitava os ensinamentos, preferiam estar ali a viver nas condições em que viviam   e não aceitavam a imposição colonial.  Criaram brigadas de alfabetização, mas não era apenas alfabetizar porque tínhamos a Mocidade Portuguesa feminina e a masculina. As meninas ensinavam as práticas diárias, a utilização de instrumentos, a cozinhar, a costurar e os rapazes desempenhavam outras funções, mas não era fácil.

Tivemos a oportunidade de transpor a fronteira da Namíbia, antigo sudoeste africano. Por exemplo, o meu irmão teve a sorte de aprender a montar a cavalo no Cunene e quando entrou para a tropa portuguesa foi escolhido para a montada do exército português, no Bié. Como ele já tinha o sétimo ano foi oficial da montada, infelizmente acabou por morrer no Bié na altura “das escaramuças”.

Portanto, acompanhei sempre o meu irmão, na Mocidade Portuguesa, também tive sempre posições de destaque, não sei se devido a ser assanhado, era sempre escolhido em todas as actividades da Mocidade, eu nunca faltava, eram muitas actividades. 

Eu gostava mais da actividade de 1 de Dezembro, desfilávamos no palácio do Governador de Angola e antes do desfile havia uma missa na parte que parece um terraço interno, ficávamos quatro instrumentistas, duas tarolas e dois clarins. Havia uma parte da missa que nós tocávamos um refrão português. Gostava daquilo porque éramos vaidosos, o nosso uniforme era diferente, levávamos luvas brancas e boinas, tocávamos três vezes durante a missa. Quando terminava a missa, descíamos e íamos formar, era eu a dar a voz de comando com o clarim.

Misturavam a banda da Casa dos Rapazes e a da Mocidade Portuguesa, os agrupamentos de todas as escolas estavam bem representados e a mocidade feminina também. O desfile começava em frente a igreja e terminava no largo das Obras Públicas, próximo ao actual Chá de Caxinde. Também gostava porque o povo acompanhava. Nesse dia, podíamos andar em todos os transportes públicos da cidade de Luanda e não pagávamos bilhete porque estávamos vestidos com a farda da Mocidade Portuguesa.

Eu adorava os acampamentos, principalmente os na Floresta da Ilha, aquela floresta era um paraíso. Às vezes, tínhamos a marcha noturna, saíamos a marchar e íamos até a Barracuda, na ponta da Ilha de Luanda, naquela altura, havia muitos acampamentos.

Hoje o que vimos na Ilha de Luanda, pescadores artesanais, tambores, arcas frigoríficas para a venda do pescado e acampamentos, não era assim; eram acampamentos na praia com tendas e com uma lanterna. Chegávamos ao fundo da Ilha, era muito movimentada devido aos turistas, havia ciganas com largos chapéus a vender gelados, mas nós apenas a víamos com os olhos.

Muitas vezes, as marchas eram castigos e por vezes na condição de mais novo adormecia. Castigo porque eram muitas músicas, conheço umas dez músicas. Por vezes, à noite fazíamos a “Chama” que era a fogueira, reuníamos a volta da fogueira, fazíamos teatro e a dado momento cantávamos todos em uníssono.  Havia momentos em que saía mal, ou por alguma indisciplina o castigo era essa marcha final. Era uma forma de nos preparamos para a vida, havia vários castigos, faxina, ou então…  pois, era interessante naquela idade, era fixe! (risos)

Partindo desta memória entusiasmante, instituições semelhantes fariam diferença na sociedade actual?

Tenho a certeza, em muitos casos só consigo comparar, eu sei da existência da JMPLA e das organizações de pioneiros, mas para aquilo que vejo, pelo dispêndio e pelas condições que têm, faria diferença.

Os acampamentos da OPA nos primeiros anos foram semelhantes?

É mesmo isso, não difere muito, só que as condições às vezes (pensativo), em termos de organização, o objetivo se assemelha. Era mesmo um complemento das actividades escolares. Albergava desportos, tínhamos os campeonatos, durante os campeonatos de 1 de Dezembro disputavam-se as finais.  As actividades e o desporto caminhavam sempre em paralelo.

Conselhos às novas gerações

Eu noto a existência de muita dificuldade, ou quase a perder-se a cultura da leitura. Mas de alguma forma, também já vejo pessoas engajadas em pesquisas.

Eu acho que deve faltar ainda algo, principalmente em relação a Angola por causa da própria história que está um pouco deturpada. Ainda, não conseguimos realmente compilar a nossa história e a publicada representa tendências diferentes da história.  

Espero das novas gerações, principalmente da juventude, atualmente está tudo virado para a juventude e concordo porque a população é maioritariamente juvenil, que os jovens se preocupem, investiguem, porque há muito boas coisas e momentos que se viveram, principalmente no período colonial, independentemente de se tratar de colonização.

Dentro da colonização tivemos também momentos bons e por isso em alguns casos há quem compare ao actual momento que se está a viver, há as suas razões. Tentem investigar o lado positivo do que foi o regime colonial em relação a aspectos da educação e da própria cultura. Por exemplo, eu fico admirado da forma como foi gerida a cultura, como foi tratada no período colonial e conforme está sendo tratada agora. E fico com a impressão de que no período colonial e isso é opinião pessoal, os portugueses preocuparam-se muito mais com a fomentação e a valorização da nossa cultura comparando-a à realidade do período actual. A começar pelo próprio Carnaval, a forma como eu vivi o carnaval e vivo hoje, às salas que havia de espetáculos de teatros e outras, os programas sazonais.

Inclusivamente, era o que fomentava o turismo e atualmente não há, porque havia muitos clubes culturais aqui em Luanda, não só nas zonas urbanas, nas zonas suburbanas os portugueses deixaram de fomentar, quer dizer, nesse aspecto deixaram-nos mais à vontade.

Refere-se aos centros culturais como a Maria da Escraquenha?

Refiro-me à Maria da Escraquenha, Mãe Preta, União de São Paulo.  Aliás, antigamente os clubes de futebol, todos os clubes de futebol não viviam do estado e de financiamentos, podia haver um patrocínio ou outro, mas viviam maioritariamente das quotas dos membros, dos adeptos e também dos negócios que tinham.

Todas as sedes, senão a maioria das sedes dos clubes antigamente tinham também um espaço de diversão onde havia todos os fins de semana farras para todos. Aos domingos havia matinée dançante para a diversão das crianças e os pais   as acompanhavam.  O elenco era quase idêntico às farras dos adultos, para as crianças tinham palhaços e humoristas.

E os músicos tinham todos empregos. Atualmente, eu vejo os músicos, embora haja uma nova vaga, outros estilos, antigamente os músicos tinham uma forma de estar, qualquer músico antigamente não era mendigo e depois chegamos a uma altura em que os músicos quase eram mendigos e até agora a situação se mantém.

Ouvi dizer que querem transformar o semba em património mundial, mas o semba quase está a cair no esquecimento. Hoje, fico um pouco satisfeito porque já esteve pior, vejo uma camada da juventude, até alguns que estavam no RnB e outros estilos musicais a experimentarem e a dominarem o Semba, como o Eddy Tussa. Até há uma polêmica porque o coroaram o Príncipe do Semba, e ele já cantou outro estilo de música, está a sair-se muito bem como ele, eu ando nesses pontos, nos bairros onde há música ao vivo onde vejo interessados a tentar resgatar e precisam de mais apoios, de mais sítios para realizarem espetáculos.

O Beto toca em espaços de rua, faz parte das gerações antigas que fomentam o resgate e a transferência de valores aos mais novos?

Tanto é assim que sendo o meu instrumento o saxofone e ficando muito tempo sem tocar por razões privadas, estou a recuperar. Viu ali dois instrumentos? Estou a preparar-me, não fiquei parado, tenho a música na veia, estou a tocar dikanza, a fazer percussão e a cantar. Nunca cantei na minha vida, mas agora tenho estado mais na periferia a cantar e a tocar a dikanza. Sou muito bem acolhido por eles, aliás quando sabem haver shows não se cansam de me ligar “Beto Sassá esse fim de semana temos aquela sentada.

Este domingo toquei dikanza, na festa havia uma banda e estava um músico jovem vindo da Inglaterra, tem dezasseis anos. Interpretou as músicas do David Zé, do Urbano de Castro, do Sofia Rosa, foi um espectáculo, comoveu a todos e os presentes estavam estupefactos “como é que esse miúdo (ainda por cima mulato e vindo do ocidente) está a cantar esse quimbundo tão apurado e a fazer reviver”, nostalgia, encantou os mais velhos. Estiveram o Calabeto, o Massoxi, acompanhados pela banda de Dulce Trindade[17] e como eles não tinham a Dikanza, o indivíduo que tocava dikanza também cantava e às vezes parava a dikanza eu fui tocar. Não há semba sem dikanza, é como a morna sem o cavaquinho, então peguei na dikanza e animei a festa, fiz e faço isso em muitos sítios. Agora, o movimento está a crescer cada vez mais e a juventude está interessada em tocar dikanza, há muitos a tocar dikanza.

Estou de regresso ao saxofone, a redefinir um estilo próprio, a arranjar forma de compor a minha voz, tenho educação musical, vou por voz e ensaiar. Estou com tendência para os nossos clássicos, trabalhados por mim, sabe um clássico é sempre um clássico, tocado em várias versões. Conheço alguns gerentes, profissionais da hotelaria pedem-me para eu preparar repertórios de 20 minutos. Eu também não poderia aceitar sem estar previamente preparado, falta o diafragma e os dedos ainda estão lentos, não posso lançar notas de aprendiz. Conheço bons executores, mas que ainda não tem o bocal educado para sacar aqueles timbres para notas ao nível do Nanuto.

A nível empresarial noto a vaidade, por exemplo o shipping business é dinâmico, mas não difere muito, há alterações de convenções que se vão acompanhando, mas exige muita tarimba, dedicação ou muita experiência.  Uns parecem-me preguiçosos, outros mostram interesse, por vezes oriento-os. Tenho dito “não tenham preguiça, vão ao portal da IMO e encontrarão a informação”.

A juventude está desmotivada?

Isto é função da forma de pensamento “primeiro, tens de acreditar em ti, não se pode ter receio do próximo, pelo contrário deve-se abraçar o próximo”.  Mas, a mentalidade que se criou é “eu quero atingir e aquele é uma sombra e tenho capacidade de avançar”.

Não ter receio de perguntar a um subordinado “eu faço perguntas ao chefe de máquinas”. Atualmente, as embarcações foram modernizadas, há funções que eu não conheço. Os instrumentos avisam-nos e não há problemas em perguntar. Felizmente, na empresa de um modo geral, respeitam-me e reconhecem.

Estou a tratar da reforma, actualmente os jovens tendem a desprezar o conhecimento dos recursos humanos mais antigos.  No caso, de certos recursos humanos é mais difícil considerar a especialidade, como é o caso de shipping cuja prática requer tarimba. Por exemplo, no meu caso para além da parte comercial conheço navegação, tenho carta de navegação. Antigamente, tinha de se traçar os rumos na carta, posso avaliar o estado de uma embarcação, etc. Quando estudei e pratiquei era tudo manual, agora é automático, tínhamos de conhecer da agulha magnética a bússola, determinar os cálculos, agora há o GPS.

Por vezes, aproveito embarcar para aproveitar a navegação, e durante a navegação tento ensiná-los, digo ao comandante “esqueça o computador, use a calculadora”, a praticar a navegação a moda antiga, para o caso de os recursos digitais falharem, praticarem cálculos e coeficientes, a calcularem, fazerem o cálculo de estabilidade, definirem o streaming de acordo a tonelagem, o combustível, a água a bordo, os pesos todos, e a medida que se vai navegando o peso vai diminuindo. Então é necessário ajustar os cálculos à medida que se vai navegando de forma a não adornar, tanto no mar como no ar hoje é tudo automatizado.

Este depoimento foi realizado na Rua João de Deus, Vila Alice, em Luanda no dia 11 de Abril de 2024.

Entrevista: Marinela Cerqueira

Publicação: Sónia Cançado

Palavras-chaves: Casa Rapazes/Mocidade Portuguesa/Banda da Guarda Presidencial/Banda da JMPLA/ Conjunto AMANDLA/Orquestra do Matadidi Mário/Dikanza/Cunene 73/José Agostinho/Hino Nacional/Batalha de Kifangondo/ 11 de Novembro/Bairro dos Saiotes/ANGONAVE/Conjunto Afrobeats/Conjunto Angolenses


[1] Viagem ao passado: Emblemática zona de Luanda fundada pela comunidade Tocoísta A referida denominação Saiotes tem várias prováveis origens. Mas, no entanto, a versão mais conhecida entre o pessoal da época, é que também pertence aos Blocos. Mas por serem imóveis diferentes dos Blocos, situados na zona central dos Tocoístas, com apenas duas a três divisões, e dada a diferença das casas, as do outro lado têm quintais, levou a juventude da altura a chamar àquelas casas “Saiotes”. E assim ficou conhecido como bairro dos Saiotes. E o outro lado, que vai aos Correios, era chamado Bairro da Diamang, por haver ali propriedades da antiga Companhia de Diamantes de Angola. https://www.jornaldeangola.ao/ao/noticias/viagem-ao-passado-emblematica-zona-de-luanda-fundada-pela-comunidade-tocoista/

[2] Onde hoje é o Teatro Elinga, fazia parte do Colégio das Beiras e mais tarde fez parte das instalações da Universidade Agostinho Neto.

[3] Viagem ao passado: Emblemática zona de Luanda fundada pela comunidade Tocoísta A Jota, actual escola do II Ciclo Nimy ya Lukeny, um espaço que acolheu a sede da antiga Mocidade Portuguesa, refugiados cabo-verdianos da época do fim do colonialismo, guerrilheiros e as estruturas da JMPLA que relançaram a política e diversas figuras dos desportos em Angola, defende João Damba, é um imóvel cujo simbolismo deve ser pensado pelas estruturas do Governo e outras entidades de direito, “a fim de que seja conhecido o significado que jogou no amadurecimento político e patriótico de certa franja da juventude angolana, para que  as próximas gerações saibam o que se passou ali”.https://www.jornaldeangola.ao/ao/noticias/viagem-ao-passado-emblematica-zona-de-luanda-fundada-pela-comunidade-tocoista/

[4] Na cidade que o nasceu, no bairro onde cresceu, estudou, sonhou a Pátria na qual os angolanos fossem livres de decidir os próprios destinos. Mas aconteceu. Um tiro certeiro no peito, na área do coração, cortou-lhe o sonho. Em frente à então sede nacional do MPLA, a cujos ideais aderiu, sob os quais e por eles conspirou. Eram tempos de clandestinidade, sem cartão de militante, nem discursos inflamados, muito menos promessas vãs. Tampouco em reuniões publicamente anunciadas. As combinas daqueles tempos faziam-se em falas surdinadas, bancos de jardins públicos, salões de baile, até em casa ou nos locais de trabalho. Sempre – condição indispensável – com vigilantes de confiança. Mas também são feitas de falas de olhos. Nelito Soares foi assassinado em pleno dia, envergando a farda dos combatentes do MPLA, um camuflado. Dos últimos camaradas de sonhos, porventura o derradeiro, com quem falou, já ferido de morte, prostrado no asfalto da rua, foi o médico Kassessa, que estava na sede daquele Movimento, ainda não partido, porque funcionavam ali os Serviços de Assistência Médica da organização política.https://www.jornaldeangola.ao/ao/noticias/detalhes.php?id=433391

[5] Quitota ou kitota – confusão, arrufo em língua kimbundu.

[6] O SIMBOLISMO HISTÓRICO DA «DONA AMÁLIA» Lil Pasta Sacerdote, agosto 29, 2024A «Dona Amália», zona do Rangel onde na sexta-feira ocorreu uma revolta popular na sequência duma mal engolida abordagem policial que visava a detenção de um suposto delinquente, é de um grande simbolismo na história do MPLA.A rebelião, documentada com vídeos nas redes sociais, que só seria contida após intervenção da polícia de choque, terá provocado dois mortos, uma jovem abatida a tiro e um agente linchado pelos revoltosos, embora hajam informações de que este não chegou a falecer. O Rangel foi o primeiro bairro onde o MPLA se «acoitou», digamos, quando entrou oficialmente em Luanda, com uma delegação chefiada por Lúcio Lara, a 08 de Novembro de 1974. A representação do «M» sairia do aeroporto directamente para a «Dona Amália», um centro comercial de frutas, hortaliças e já não me lembro bem se também de peixe duma senhora tuga, que abandonou a propriedade pouco depois do 25 de Abril. Principal «base» do movimento de Agostinho Neto, era lá onde funcionava o DOM (Departamento de Organização e Mobilização), donde partiam os camiões com centenas de jovens voluntariosos, inspirados por ideais revolucionários propagandeados pelo «M», a caminho dos centros de instrução, para formação militar básica, antes de serem integrados às pressas nas gloriosas Fapla, acabadas de ser constituídas, com base num exército todo esquelético saído da mata. Entre eles estavam vários dos bandidos famosos que atormentavam as autoridades coloniais, responsáveis pela expulsão dos brancos fascistas dos musseques de Luanda, como o Sabata, Zé da Minga, Alicate, a malta do Sandokan e muitos outros. Portanto, foi a partir da «Dona Amália» onde o MPLA se reforçaria em homens para conseguir expulsar a FNLA e a UNITA de Luanda, passo fundamental da estratégia que o levaria à conquista do poder em 11 de Novembro de 1975, antes de avançar, já com os cubanos, para a libertação do resto do país. https://www.lilpastanews.net/2024/08/o-simbolismo-historico-da-dona-amalia.html

[7] De nome completo Manuel Bernardo Sangue, Sanguito é oriundo de Nambuangongo, Bengo e é dos poucos angolanos que ganhou o respeito e a admiração do público com o talento e a magia que de si emanam quando se propõe a tocar. O saxofonista comemorou o seu 57º aniversário na quinta-feira, 6. Por esse motivo, recebeu dos familiares, colegas, amigos e seguidores muitas felicitações. O seu ingresso no mundo artístico data de 1977. Começou por tocar guitarra na Casa dos Rapazes, em Luanda. Em seguida, frequentou o curso de instrutor na Academia de Música de Luanda, onde teve contacto, aprendeu e apaixonou-se pelo saxofone. A par disso, aprendeu a tocar trompete e piano, tudo com o professor Fernando Nunes. Ingressou, em finais dos anos 70 e início de 80, no grupo “Petro Clave”, seguindo para o “Os Merengues”. Em 1982, integrou o “Semba Tropical” e com este conjunto representou Angola em vários festivais de música na Europa e na América, tendo passado igualmente pelo agrupamento “Afra Sound Star”. Sanguito tem publicados quatro discos no mercado “Lentavida”,  “Mwagoleze”, “Kamba Diame” e “Passo-a-Passo”.https://www.jornaldeangola.ao/ao/noticias/detalhes.php?id=377868

[8] Nao foi possivel copiar o extracto sobre os Angolenses onde a contribuição de Beto Sassassa e de outros musicos para o crescimento dos angolenses e da musica https://www.pressreader.com/angola/jornal-de-angola/20221113/281930251964297

[9] Matadidi Mário Buana Kitoko was born in Maquela do Zombo, in the Uíge province, near the border with DR Congo (then the Belgian Congo). When he was a child his parents went north, to Kinshasa, leaving the Portuguese-ruled Angola. He witnessed Congo’s independence and was soon trying his luck on a thriving music scene.First with O.D. Jazz and then, spectacularly, with Vercky’s Orchestre Vévé, he made a name for himself. Finally, in 1972, Vévé’s disgruntled front-line trio of singers (Matadidi ‘Mário’ Mabele, as he was then called, Loko ‘Djeskain’ Massengo and Bonghat ‘Max Sinatra’ Tshekabu) formed what was arguably the year’s hottest band, Trio Madjesi.Songs like ‘Madjesi’, ‘Sosoliso na Sosoliso’, ‘Longoma’, ‘Photo Madjesi’ and ‘Zanga Zanga’ catapulted the trio into selling, according to Gary Stewart’s book “Rumba on the River”, over 65.000 copies of its first records. After a couple of years as one of the country’s leading bands, the trio announced that it had signed a contract to play at the Olympia, in Paris. But UMUZA (Union des Musiciens Zaïrois), run by Franco, suspended the trio’s activities for twelve months, following an allegation of financial fraud, that proved impossible to bear. Disappointed and unable to work, Matatidi Mário, at 34, decided to leave the Congo and move back to Angola. As Trio Madjesi’s records had been released in Luanda, by Rebita, Mário, although he couldn’t speak Portuguese, was able to get involved in the local music scene. In 1976 he formed a band – later to be known as Inter Palanca. With Diana, Sexito Pop and Mustang as backing-singers, Timex (rhythm guitar), Teddy (solo guitar), Mogue (bass), Mick (drums), Domé and Sassa (trumpet), André (trombone), Franco (sax) and Kinito (percussion), some of whom summoned from Kinshasa, the newly appointed Matadidi Mário Buana Kitoko and his Orchestra was ready to perform.

[10] Os primeiros membros das Águias Reais (The Golden Eagles) reuniu-se, enquanto as artes e ofícios de aprendizagem na Casa Pia de Luanda (uma escola pública para crianças carentes correu pelas potências coloniais). António Nunes da Costa (clarinete), Marçal Nicácio Gomes (voz e dikanza), Manuel António (sax alto), Ângelo Quental (bateria) e os irmãos António Manuel Gonçalves (aka Massangano, guitarra) e Benedito Manuel Gonçalves (aka Nito, baixo) faziam parte da crescente cena de música popular de Angola dos anos sessenta, ao lado de bandas como a África Show, Negoleiros do Ritmo, Jovens do Prenda, Kiezos, Ekos, Astros, África Ritmos, Gambuzinos, Anangola, Ngoma Jazz, Anjos, afro Som Star, Ases do Prenda, Kinzas, Bongos, etc.

Mas simplesmente colocar é simplesmente impossível de rastrear os line-up muitas mudanças Águias Reais. O lendário guitarrista Baião e o baixista Manuelito teve stints curtos com a banda, como fez Avôzinho, mas foi a adição de crooner Carlos Lamartine (e seu irmão, Gregório Mulato), que teve o efeito mais profundo em seu som e apelo comercial. No final dos anos sessenta e início dos anos setenta Zeca Pilhas Secas (guitarra), Manuel Claudino (baixo), Gaby Pireza (guitarra), Zeca Jacó (dikanza) e Julinho (percussão) eram o elenco de apoio. O proto-kuduro pista frequentemente mencionado “Bazooka” foi gravado por volta de 1971. Mas Lamartine à esquerda e, em 1973 single “Show da Ilha” / “Mariana” (emitido pela Rebita imprint de Fadiang com ref # 1101) foi gravado com Constantino e Gino nas guitarras e cantor Calabeto no lead-vocals. Foi nessa época que Águias Reais tornou cantores da banda de apoio de David Zé e Urbano de Castro. Alguns dos membros do Águias Reais foram recentemente envolvido com Conjunto Angola 70, excursionando cidades europeias.https://dikanza.blogspot.com/2019/07/aguias-reais-show-da-ilha-mariana.html

[11] …And what a debut: in Luanda’s Pavilhão da Cidadela Desportiva, on the very first anniversary of Angola’s Proclamation of Independence, on November 11th, Matadidi electrified the audience with an exuberant stage presence and a series of dance moves lifted from James Brown’s repertoire, singing in lingala (Congo’s lingua franca) and kikongo (the idiom learned from his parents) and dedicating ‘Volta Camarada’ to Angola’s first president, Agostinho Neto, and the FAPLA (the Popular Armed Forces for the Liberation of Angola, MPLA’s military wing).The track, featured above, was immediately issued by CDA (Companhia de Discos de Angola) with ref# NCS-2008, and sounds like a classic Congolese song of the period, with its sweet vocal harmonies, the solo guitar carrying the second melody, the funky bass line, the seben (instrumental break), the rhythm changes, the brass responses… and the chorus goes: “thank you, thank you Agostinho Neto, thank you Fapla. On November 11th, 1975, Angola was free”!Over the years Matadidi Mário became a household name in Angola. He toured, ran a nightclub (Kussunguila) and had significant radio airplay. But with the civil war escalating, like so many singers and performers (and hundreds of thousands of civilians), Mário left the country in 1990, moving to France, where he recorded three albums. In 2005 he again returned to his homeland. Just last year he released “Masikilo”. https://angola45.wordpress.com/2012/10/12/matadidi-mario-buana-kitoko-volta-camarada-cda-1976/

Matadidi Mário, o histórico músico angolano. Uma separação forçada levou os integrantes do trio Madjesi a destinos diferentes, um dos quais, Angola.  Matadidi regressou a Angola, de forma triunfal, em 1976, onde fundou a histórica orquestra Inter-Palanca com Diana Simão Nsimba, vocal, Mustang, voz, Jacinto Tchipa, voz, Sexito Pop vocal, Timex, guitarrista ritmo, solista dos Maringas, Garcia Luzolo, Mog, viola baixo, Teddy, viola solo, Domé e Sassa, trompete, André, trombone, e Kinito, percussão, proveniente do África Ritmo. No entanto, Mick Jagger, bateria, e Mustang, voz,  desistem, por decisão pessoal, e voltam para Kinshasa. A primeira apresentação do Inter-Palanca, no estádio da Cidadela Desportiva, em Luanda, aconteceu no dia 12 de Novembro de 1976 e resultou num estrondoso sucesso. “Volta Camarada”, “Café”, “Bakokosa po bakosa”, mentir por mentir, “Um minuto de silêncio” e “A nossa terra é boa” foram os primeiros  grandes sucessos de Matadidi Mário.https://wizi-kongo.com/matadidi-mario-o-historico-musico-angolano/

[12] Filho de Elmiro Clara Pederneira, ex-funcionário público dos Caminhos de Ferro de Luanda, e de Ermelinda Luís, doméstica, Carlos Alberto Luís Pederneira, Beto Pederneira, nasceu no dia 2 de Outubro de 1959, no Bairro Indígena, em Luanda. Frequentou a instrução primária na Casa dos Rapazes de Luanda, em 1966, como aluno interno, com o seu irmão, Luís Filipe de Castro Correia, onde aprendeu a trabalhar como tipógrafo. Beto Pederneira aprende, depois, na mesma instituição de caridade, os primeiros rudimentos de música, consubstanciados no solfejo, teoria musical e harmonia, e na execução do Fliscorne B, instrumento musical semelhante ao trompete B, tendo feito parte da Banda de Música da Casa dos Rapazes de Luanda, onde, na ausência do Maestro, assumia a função de regente.  Em 1972, entrou para a Escola Secundária João Crisóstomo, e saiu da Casa dos Rapazes de Luanda, em 1974. Dois anos depois, ingressou na Escola Industrial de Luanda, e, em 1979, no Liceu Nacional Salvador Correia. Paralelamente aos estudos, Beto Pederneira foi admitido na Banda de Música das FAPLA, Forças Armadas Populares de Libertação de Angola, no dia 13 de Novembro de 1978, tendo feito a respectiva recruta, em 1979, no Centro de Instrução Revolucionária, Comandante Arguelles. Beto Pederneira recordou a época do “Kissanguela”, nos seguintes termos: “Foi uma época de entusiasmo revolucionário. Tocávamos sem qualquer compensação de índole monetária, ou seja, o que contava, à época, era o espírito da independência, inspirado num verdadeiro patriotismo.  Os nossos ensaios eram à noite, no terraço do prédio da antiga ABAMAT, na rua dos Combatentes, e participávamos, colectivamente, nos arranjos das músicas. Volvidos estes anos todos, não posso deixar de afirmar que tenho saudades dos nossos concertos, sobretudo os que foram realizados em circunstâncias de guerra, e muito próximos das frentes de combate”.https://www.jornaldeangola.ao/ao/noticias/detalhes.php?id=325683

[13] Journal of Southern African Studies, Volume 33, Number 2, June 2007 ,J Routledge ,Taylor & Francis Group Singing Against Apartheid: ANC Cultural Groups and the International Anti-Apartheid Struggle *, Shirli Gilbert (University of Michigan)The article then considers the work of the Amandla Cultural Ensemble, which originated in the late 1970s amongst ANC exiles based largely in Umkhonto we Sizwe (MK)4 training camps in southern Africa, principally Angola. Led for much of its existence by trombonist Jonas Gwangwa, Amandla became, during the decade that followed, a popular ambassador for the ANC throughout Africa and further afield in Europe, South America, the Soviet Union and elsewhere. Unlike Mayibuye, it offered large-scale, increasingly professionalised performances incorporating choral singing, jazz, theatre and dance. Its performances were intended not only to raise international awareness about apartheid, but also to present an alternative vision of a more dynamic, inclusive South African culturehttps://www.musicinafrica.net/sites/default/files/attachments/article/201411/gilbert-amandla-cultural-group1.pdf

[14] https://www.caboverdeamusica.online/apolos/

[15] Profundo conhecedor da música popular urbana angolana Marito Furtado, baterista da Banda Maravilha, postou o seguinte testemunho: “O Mário Rui Silva era um exímio tocador e estudioso do violão, chegando mesmo a inventar um violão feito com uma cabaça ao qual deu o nome de Dembita, que também é o título de uma sua composição! No tempo colonial, pertenceu ao conjunto “Os Jovens”, que era composto por Mário Rui Silva, Mário Bento Catela, Mário Eduardo e a cantora Paula, irmã do Mário Rui! Depois do 25 de Abril, emigrou para Portugal e depois para França, onde passou a tocar com o Bonga durante o tempo em que este viveu entre França, e Holanda! Era um grande estudioso da música e da cultura angolana, profundo conhecedor da pessoa e da obra de Liceu Vieira Dias e chegou mesmo a criar uma gramática da língua Kimbundu! https://www.jornaldeangola.ao/ao/noticias/profundo-conhecedor-da-musica-popular-urbana-angolana/ https:

[16] Em 1979, o João veio para Lisboa. A redacção do África Jornal, que chefiou e que se concebia como um centro de informação em português sobre África e para a África, era o seu palco. Ali aportavam políticos dos novos países independentes, exilados de todas as tormentas, escritores, candidatos a escritores, actores, intelectuais de várias profissões, candidatos a um trabalho que lhes garantisse a subsistência temporária neste espaço de recuo.O João recebia-os todos com generosa afabilidade, engendrava todas as possíveis formas de colaboração, partilhava as suas angústias, infundia-lhes o sentido de que o tempo que passava não era ainda o último. https://www.joaovandunem.com/home/africa

[17] Kandimba homenageia guitarrista Dulce Trindade

Sebastião Manuel Trindade Júnior, nasceu em Luanda, no dia 19 de Novembro de 1956.

Iniciado na percussão, Dulce Trindade acabou por aprender os primeiros acordes de guitarra com o tio Toneco Jorge, em 1969, e aperfeiçoou o contacto com as cordas, auxiliado pelo guitarrista Brando Cunha. A curiosidade, aliada ao ardente desejo de aprender, levaram-no a integrar, a convite do percussionista São Pedro, o conjunto Mini Ginga e depois o Mini Bossa 70, pela mão do baixista Carlos Timóteo, em 1971.       Em 1974, fez parte do conjunto Ndimba Ngola, com Brando Cunha e Zecax, onde encontra Manecas (dikanza), Zé Eduardo (baixo) e António Gonga (congas). Vivia-se o dealbar da Independência Nacional e, em 1974, na condição de viola ritmo, passou pelo conjunto FAPLA-Povo, em 1975, que integrava David Zé, como director, Urbano de Castro e Artur Nunes (vocais), Babulo (bateria), Botto Trindade (guitarra solo), Carlos Timóteo (viola baixo) e Habana Maior (congas).https://www.jornaldeangola.ao/ao/noticias/detalhes.php?id=393611