Contexto
Num evento da Associação Participar +, na Fundação Gulbenkian, quando o Dr. Hélder Oliveira apresentou-me a Dra. Eduarda Ferronha, lembrei-me logo como a enfermeira Fátima Vasconcelos, minha mãe e outras enfermeiras se referiam com estima a monitora Maria Eduarda Bento Alves Ferronha com orgulho e nostalgia e como falam do ensino da Escola Técnica dos Serviços de Saúde, onde se realizavam vários cursos de enfermagem, técnicos de farmácia, análises clínicas, radiologia, e como falam do ensino da enfermagem em Angola no período colonial, fazendo referências à rigorosidade desta monitora.
Nos dois primeiros encontros de sensibilização afirmou ter preferência pela discrição e anonimato. Durante o depoimento questionei-lhe se a história de uma anfitriã angolana, não eram experiências dignas de serem partilhadas e inspirar novas gerações. Foi monitora de enfermagem, bolseira da Organização Mundial da Saúde em Bruxelas para ser professora de enfermagem em Angola, estudante de medicina no Centro de Estudos de Angola, psiquiatria em Lisboa, antiga deputada na Assembleia da República pelo Partido Socialista e actual líder de duas Associações, a LIAfrica e a Casa da Cultura Angolana- Welwitchia, que organizam debates em torno da emigração dos PALOP´s e realizam acções sociais para idosos, doentes e crianças na época do Natal, apoiam doentes angolanos residentes em pensões em tratamento em Portugal, com roupas, alimentos adequados à época e doam brinquedos às crianças.
Depois, de uma conversa com uma das anciãs mais activas que já conheci, cujo discurso intenso traça a sua jovialidade, pergunta: “Se esta é a história que pretende conhecer, como vamos fazer?”
Todos temos uma história para contar e o lema é “todos os angolanos podem participar na construção da história social do país”. Outro dia, dizia-me que a sua história não era importante, o seu trabalho social está ligado à filantropia, a bondade. Por mérito próprio conseguiu chegar a vereadora e a deputada da Assembleia da República em Portugal. É um orgulho para os angolanos. A minha mãe, sua aluna de enfermagem expressa grande orgulho por si e ela desconhece o seu percurso no período pós-independência, tal como acontece com outros nacionais na diáspora.
Reafirmou, raramente se predispor para a comunicação social, esta deve ser a principal razão do google não nos presentear com mais informação sobre o desempenho desta batalhadora e da sua biografia ainda não constar do Wikipédia. No início da entrevista define-se “sou a militante mais velha do MPLA em Lisboa, fui deputada do PS e sou do Benfica”.
Esta antiga monitora da escola de enfermagem auxiliou a formação de enfermeiros que participaram na luta pela libertação de Angola e teve dissabores laborais, com a PIDE e com colegas portugueses.
Provavelmente, uma das primeiras angolanas a formar-se e a exercer psiquiatria em Lisboa.
Depois, da reforma multiplica-se no exercício das actividades filantrópicas, não somente nas duas organizações solidárias que ajudou a fundar e a liderar, mas também junto às comunidades da igreja, do seu bairro e a pacientes idosos, sobretudo aqueles cuja longas estadias causadas por doenças degenerativas os colocam em situações particularmente delicadas. Preocupa-se também com as crianças angolanas em tratamento em pensões em Lisboa e com acções de igualdade de género.
É imparável, participa em várias actividades, revira o mundo para captar doações e solucionar questões emergentes como a fome, o vestuário, mas também de carácter institucional e organizacional.
Alertou sobre o interesse em partilhar suas memórias sem auxílio de perguntas diretas “e se no final for útil, publique”. Não fizemos perguntas, apenas comentários a esta exímia conversadora.
Introdução
A minha mãe nasceu no Curoca, mais tarde foi para Mossâmedes. O meu pai era engenheiro agrônomo, tinha ido de Luanda para fazer um trabalho sobre as areias do deserto, ainda há uma rua com o nome dele em Porto Alexandre, apaixonaram-se. E eu nasci em Moçâmedes, a terra das mulheres bonitas do qual eu sou uma exceção.
O meu pai tinha família em Luanda, e pôs-me no colégio das Doroteias. Entretanto, a minha mãe refez a sua vida, meu padrasto era empresário da restauração e fomos para o Lubango. Tenho cinco irmãos da parte de pai e dois da minha mãe com o meu padrasto.
A Infância
Recordo-me da meninice em Mossâmedes. Era muito endiabrada, tinha muitas amigas, à tarde depois das aulas íamos para o jardim brincar e fazer partidas. As minhas primas moravam num bairro chamado Forte e ainda tenho uma ideia sobre os óbitos tradicionais. Quando morria alguém da família, faziam umas cerimónias estranhas, choravam e cantavam muito alto, toda a família reunia-se em grandes almoços e jantares. E as crianças juntavam-se no quintal a brincar, era o momento de reencontro com os primos, porque vivíamos em cidades diferentes e juntávamo-nos quando morria alguém da família.
A minha mãe era muito exigente com os nossos comportamentos. Tinha um porte realmente muito engraçado. Ainda tenho fotografias dela de saltos altos, chapéu, luvas, dizia “vocês têm de se portar bem”, a maneira como educava era de certos princípios, muito faladora, muito comunicativa.
Introduzir a fotografia da mãe
Estive muito pouco tempo em Mossâmedes, recordo-me muitas vezes de uma cerimónia muito engraçada:
“Era miúda quando o General Carmona foi a Angola[1], as escolas deram-nos fatos da mocidade portuguesa para a cerimónia e disseram que tínhamos de estar bonitas e bater palmas à passagem do General. As professoras das escolas lembravam às nossas mães que tínhamos de estar bem por causa do protocolo. As nossas mães quando chegaram a casa começaram a falar sobre o assunto “Afinal de contas eles enganaram-nos, disseram-nos que iam colocar um preto ao colo, mas não, eles queriam é que nós fossemos bater as palmas à sua passagem, e não vimos ele pegar em nenhum” preto ao colo”.
Elas ao falarem sobre o assunto, confundiam o termo “protocolo” com “levar um preto ao colo”.
Depois, fomos para o Lubango onde estive a estudar, e o meu padrasto abriu um hotel. Eu era endiabrada e frequentava o Liceu Diogo Cão. As pessoas achavam que eu tinha jeito para teatro e canto. Quando vínhamos do liceu, muitas vezes entramos nas lojas a bater as palmas, fazíamos caretas e imitávamos os professores e o pessoal do liceu. Realizávamos muitas praxes semelhantes às de Coimbra.
Com este comportamento a minha mãe achou que eu tinha de ir para o Colégio das Doroteias. Com a adolescência o meu comportamento foi mudando, gostava muito de estar no colégio, porque praticávamos muitos desportos. As freiras eram muito carinhosas, eu gostava muito de colaborar nas actividades fora do colégio e alguém disse à minha mãe que tivesse cuidado, porque as freiras estavam a influenciar-me para ser freira. Quando a minha mãe soube que andavam com aquela ideia tirou-me do colégio e matriculou-me de novo no Liceu.
Naquela altura, já tinha ideia de fazer medicina, mas não havia cursos de medicina em Angola, por isso pensei ir para Luanda fazer enfermagem e a minha mãe foi mais tarde com os meus irmãos.
Descendência e Família
A minha mãe era filha de português e mãe nacional, a minha avó materna tinha dois irmãos. Um dos meus tios era rico, era criador de gado e quando faleceu pelo regime de herança matriarcal a minha mãe seria a herdeira, responsável pela distribuição da herança segundo a tradição e esqueceram-se de partilhar a herança com a minha mãe.
Tenho primas que se criaram com a minha mãe, éramos muito amigas, uma delas veio ao meu casamento a Luanda, diziam orgulhosamente “somos descendentes da rainha Ginga”. Nunca cheguei a saber a confirmação desta afirmação. Essas minhas primas telefonam-me frequentemente, duas delas são minhas afilhadas.
Quando fui para Luanda para tirar o curso de enfermagem fiquei alojada em um edifício pertencente ao hospital Maria Pia, num quarto com outra colega, sob a supervisão das freiras francesas. Concluí o curso com bom aproveitamento e comecei a trabalhar no Hospital Maria Pia. Entretanto, já havia o curso de medicina em Angola, resolvi matricular-me no colégio de São José de Cluny e preparar a aptidão para medicina.
No Colégio S. José de Cluny conheci uma professora casada com o amigo do Dr. António Ferronha, nosso professor de Filosofia e nesse casamento conheci o meu futuro marido, irmão do meu professor de Filosofia, Alberto Faustino Ferronha, natural do Porto que era funcionário do Hospital. Casei na Igreja das irmãs francesas que trabalhavam no hospital, numa cerimónia muito bonita, realizada por um sacerdote holandês, com o canto das freiras francesas, colegas e com a minha família toda reunida.
Tive uma doença que me impedia de ter filhos e pensamos em adotar uma criança. Nas férias ao Lubango, tomei conhecimento de haver uma criança que tinha sido entregue na igreja. Vimos a criança e fomos logo ao juizado para a trazer da adoção e trouxemos a nossa Paula Mónica para Luanda.
Noutra viagem a várias cidades de Angola, para sensibilizar estudantes para o curso de enfermagem, levei a minha filha Paula. Ficamos alojadas no Hospital de Benguela. Por acaso, tivemos conhecimento que havia um menino para ser adotado. Disse à minha filha o que se passava, o meu marido ficou todo entusiasmado por ser um rapaz. A minha filha disse que queria uma irmã e não um irmão. No dia seguinte, mudou de ideias, mas eu, entretanto conhecia uns amigos em Luanda, que tinham cinco filhas e gostavam de ter um rapaz, liguei-lhes e dirigiram-se imediatamente a Benguela para adotarem o menino e convidaram-me para ser madrinha do seu filho.
Entretanto, a minha filha continuava a dizer que gostava de ter uma irmã. Fomos ao abrigo dos pequeninos em Luanda falar com as freiras, para saber se havia uma menina para ser adotada. Disseram que sim, levaram-nos ao local onde estava a menina e encontrámo-la aos pulos na cama. Mas, quando tentamos brincar com a menina, uma pequenina agarrou-se às minhas pernas e a madre disse-nos “esta pequenina é a irmã dela”. A madre informou-nos que teríamos de tratar dos documentos da adoção. De regresso a casa estivemos até às cinco da manhã a pensar “e agora, o que vamos fazer? Vamos separar as duas irmãs?”. No dia seguinte, fomos ao abrigo e dissemos que afinal íamos ficar com as duas meninas, a Maria Fátima e a Maria Paula. A minha filha Paula Mónica ficou encantada porque queria uma irmã e ficou com duas manas.
Tenho vinte e cinco afilhados porque eu trabalhava no hospital e quando alguém estava mal, as freiras chamavam-me para ser madrinha, uns morriam e outros sobreviviam, era traumatizante. E de acordo com a religião cristã, eram batizadas para no caso de não sobreviverem, serem filhas de Deus e muitas delas sobreviveram. Alguns vivem em Angola, outros vieram para Portugal. Dos que estão vivos, mantenho contato com alguns.
Curso de Enfermagem
Em Lubango não havia curso de enfermagem, então a minha mãe falou com uma grande amiga que tratou de tudo para eu frequentar o curso de enfermagem em Luanda. Fiz o curso e fiquei a trabalhar no Hospital Maria Pia, actual Hospital Josina Machel.
Eu continuava a pensar em fazer o curso de medicina, mas as dificuldades nunca acabavam. Matriculei-me no colégio S. José de Cluny, para preparar-me para fazer o exame de aptidão. Quando chegou a época do exame, as freiras não tinham registado devidamente as disciplinas que tinha de fazer e com a colaboração do meu professor de Filosofia, preparei-me intensivamente para fazer a disciplina que faltava, na segunda época. Nós fazíamos o curso nos colégios, mas os exames eram feitos no liceu, houve um erro no registo das disciplinas. Não ficamos a saber bem o que ocorreu, as freiras diziam que o erro era do liceu e vice-versa. No entanto, tinha de fazer a cadeira que não estava registada.
De referir que quando estudava no liceu do Lubango, por vezes havia festas no liceu e eu imitava colegas e alguns professores, principalmente uma professora achou muita graça. Lembro-me que na prova oral da referida cadeira no liceu Salvador Correia, em Luanda, vi o meu professor do Lubango que costumava imitar, bem assim como a esposa, fazia parte do júri. Pensei “que pouca sorte”, espero que ele não me tenha reconhecido” porque já tinham passado uns anos. O professor olhou para mim e disse:
- Tu não foste minha aluna no Lubango?
- Sim.
Fez-me o interrogatório da prova oral, respondi a quase tudo. Ele virou-se para o resto dos professores do júri e disse “Foi minha aluna no Lubango, era boa aluna, mas era muito endiabrada, nas festas do liceu imitava os professores, os colegas e entre eles imitava muito bem a minha esposa”. Nem imaginem como fiquei. Eu e os outros colegas ficamos à espera dos resultados, passei e foi uma grande alegria, porque finalmente ia cursar medicina. Vi então o professor aproximar-se e perguntou:
- Então, o que tens feito?
– Fiz o curso de enfermagem, trabalho no hospital e sempre quis tirar o curso de Medicina e precisava de fazer o exame de aptidão.
- Não gostavas de ir ver a tua professora, minha esposa?
Disse logo que sim e fomos imediatamente à casa deles. Foi uma alegria enorme, depois de tantos anos rever antigos professores e passamos algum tempo a relembrar os tempos no liceu do Lubango.
Perseguições da PIDE, Luanda, anos 60
A Escola Técnica do Serviço de Saúde situava-se à frente da Direção dos Serviços de Saúde. Nós sabíamos que havia muitas situações esquisitas, eu e as outras monitoras. Fui chamada à PIDE, duas ou três vezes porque achavam que as luzes da escola ficavam acesas até muito tarde e perguntaram-me se os alunos estavam a ter reuniões clandestinas. Respondi. “Os alunos moram nos arredores de Luanda, não têm eletricidade e geralmente ficam até mais tarde para estudar, principalmente na época dos exames”.
Por vezes, os alunos desapareciam, calculávamos o que se passava, mas não fazíamos comentários principalmente com as professoras portuguesas que trabalham na escola.
Havia um aluno que estava sempre a dormitar e não prestava atenção às aulas. Era jovem, muito alto, forte, bem parecido. No fim da aula, mandei chamá-lo e perguntei-lhe o que se passava, porque no ano anterior era bom aluno e agora faltava às aulas, podia perder o ano e a mulher tinha estado na escola a saber dele.
Respondeu-me, sei que a minha mulher esteve cá, porque não vou a casa, não tenho ajudado a família. Mas, um dia a senhora professora vai saber o que se passa, mas eu prometo que na 2ª feira vou começar uma vida nova. Respondi, acredito em ti. Esta conversa foi na 6ª feira. Na 2ª feira não apareceu nas aulas de manhã, e pensei que devia estar a organizar a sua vida.
Há tarde dessa 2ª feira estava a tomar um café no bairro da Samba, quando um aluno da escola me informou que tinha havido uma reunião clandestina nos arredores de Luanda, alguns participantes conseguiram fugir, mas um nosso aluno tinha sido torturado, foi obrigado a falar e como ele não respondia eles continuaram a tortura e mostrou-me uma caixa transparente onde estava uma orelha, que tinha sido arrancada ao nosso aluno.
Fiquei horrorizada, quase desmaiei- que atrocidades se faziam naquela altura! Fomos para a escola, falei com os alunos e monitores, dirigimo-nos para a casa mortuária, onde já se encontrava a esposa e os filhos. Realizamos uma cotização, para ajudar a família e mais tarde conseguimos arranjar um trabalho para a esposa do nosso aluno, tudo muito em segredo.
Na Escola Técnica dos Serviços de Saúde, havia vários cursos, enfermagem, técnico de laboratórios, técnico de farmácia, dietistas, etc. Tivemos muitos alunos que marcaram e tiveram ações importantes para a nossa independência, entre eles Sua Excia.Engº José Eduardo dos Santos, Ex. Presidente de Angola, que esteve matriculado no curso de farmácia por pouco tempo, depois partiu para a Rússia. Sempre que fui a Angola encontrei-me com ele, e também o então Ministro das Relações Exteriores Venâncio de Moura, ambos falecidos e muitos outros.
Universidade Livre de Bruxelas
Quando estava como monitora de enfermagem na Escola Técnica de Enfermagem, fui selecionada, bem como uma monitora do Congo e outra da Zâmbia, pela Organização Mundial da Saúde para fazermos o curso de professora de enfermagem em Bruxelas. Eu tinha tratado no hospital em Luanda uma senhora belga e ficamos amigas, disse-lhe que ia para Bruxelas, deu-me umas lições práticas e indicou-me uma pessoa que era sua amiga em Bruxelas no caso de eu precisar de alguma ajuda e realmente foi muito útil na fase de adaptação.
O curso era realizado na Universidade Livre de Bruxelas e com a prática no hospital Central de Bruxelas, onde aprendemos uma nova maneira de formar enfermeiros. Fui para Bruxelas muito mais tarde devido às chamadas da PIDE, houve também uma reunião para decidirem se me deixavam ir ou não fazer o curso em Bruxelas.
A Bélgica era um país sossegado, cheguei com um mês de atraso, decorria a Exposição Internacional de Bruxelas e havia um pavilhão de Portugal. Deram-me uns dias para instalar-me e ir visitar a Expo. Entretanto, como norma pediam aos bolseiros estrangeiros recém-chegados, que se apresentassem e falassem do seu país ou de alguma personalidade pública. No 5º ano do liceu estudei francês e conversava bastante com as colegas para treinar a língua, mas como éramos muitas, solicitei à responsável da turma, para ser a última a apresentar a personalidade por mim escolhida.
Fui à Embaixada de Portugal em Bruxelas saber o que me podiam arranjar sobre o Professor Doutor Egas Moniz, que desenvolveu a arteriografia e leucotomia, laureado com o Prémio Nobel em 1994. Imediatamente, arranjaram-me todo o material necessário e com a ajuda de uma colega que tinha um quarto ao lado do meu, dava-me informações sobre as matérias anteriores, treinei bastante e correu tudo muito bem e percebi que eles ficaram admirados com a personalidade apresentada que desconheciam.
O meu marido foi comigo, era interessado em motores e arranjou um estágio nesta área. Conheceu um estagiário, que tinha sofrido muito na guerra e a mulher também era muito simpática. A bolsa da OMS era muito boa e aos fins de semana, tanto os nossos amigos como alguns colegas, foram-me mostrando os principais recantos da Bélgica.
Um dia o Rei Balduíno foi a uma festa à nossa Universidade de Bruxelas com a sua noiva e sentaram-me ao lado da futura Rainha Fabíola que tinha sido professora da nossa universidade e era muito simpática. Não tive coragem de lhe explicar que me tinham sentado ao seu lado, porque pensaram que Portugal pertencia à Espanha, porque desde que chegara, já tinha comprovado esse erro. Calculei que não tinham ensinado geografia da Europa no liceu.
Concluí o curso e regressei a Luanda, mas deixei muitas amigas com quem mantenho contacto até hoje.
Quando começou a guerra em Angola, um dia chamaram-me à SABENA e disseram que as minhas colegas do curso de Bruxelas, tinham dado uma ordem e que iam falar comigo e se realmente quisesse sair de Luanda, tinha um bilhete de avião à minha disposição. Respondi agradecendo a oferta, mas que naquele momento com os hospitais cheios de feridos, tínhamos de preparar os enfermeiros para cuidar dos feridos de guerra que eram diferentes dos doentes habituais e nunca poderia sair de Angola num momento em que éramos todos mais necessários.
A amiga Sylvie
Quando estava a fazer o curso de professora de enfermagem, em Bruxelas, tive conhecimento que alguns colegas iam nos fins de semana a Paris frequentar um curso de acupuntura. A viagem de comboio de Bruxelas a Paris era rápida. Foi pena, porque não tive conhecimento desta oportunidade. Entretanto, uma das minhas colegas apresentou-me uma médica que estava a tirar a especialização de ginecologia e fazia parte do grupo que fazia aquele curso. Fomos jantar e lamentei não ter tido conhecimento desse curso porque sempre tinha interesse pelas medicinas orientais, mas estava no fim do curso, não sabia como o curso funcionava e ia regressar a Luanda. A minha amiga Sylvie era realmente uma pessoa extraordinária e percebi que simpatizava comigo e disse “O” Eduarda, acaba o curso, vai para Angola, eu vou mandar-te toda a informação e documentos para poderes matricular-te e não te preocupes com o alojamento”.
Foi o que fiz quando acabei o curso em Lisboa. A Faculdade mandava alguma matéria pelo correio e durante um ano ia alguns fins de semana a Paris para as aulas práticas. Fiz o curso, mas não havia muitos conhecimentos sobre acupuntura em Portugal, mas apliquei -a em alguns doentes em tratamento em psiquiatria.
Durante o tempo que convivi com as minhas colegas em Bruxelas, reparei que tinham uma ideia dos portugueses que ali trabalhavam diferente da realidade e convidei a Sylvie, não só para agradecer todo o apoio que me dera em Bruxelas, a fazer umas férias em Portugal para conhecer Lisboa, Porto e Algarve. É verdade que houve um período de muito desemprego em Portugal e muitos portugueses emigraram para França e Bélgica. Alguns deles tinham empregos que os franceses e belgas não queriam, como porteiros e empregadas de limpeza. Veio a Portugal, gostou e mais tarde convidou outras amigas para virem passar férias. Não só gostaram de Portugal, regressaram com ideias diferentes e regressaram com outras amigas para conhecerem Portugal.
Quando minha mãe faleceu, fiquei muito deprimida e a minha colega Sylvie convidou-me para ser madrinha do filho, mas eu não respondi. Mais tarde, fui a uma conferência em Paris, liguei-lhe e ela disse-me que tinha estranhado eu não ter respondido ao convite para ser madrinha do filho. Ficara triste e admirada com o meu silêncio. Expliquei a razão. Apesar de tudo, convidou-me a conhecer o marido e o filho que se chama Eduardo, de acordo com a promessa de eu ser a madrinha do seu filho.
Regresso à Escola Técnica de Enfermagem de Luanda
Qual não foi o meu espanto quando cheguei a Luanda para retomar o meu lugar de monitora chefe da escola, estava ocupado por uma enfermeira cujo marido era militar e acompanhava o marido nessa missão. Claro que a minha reação foi negativa. Depois de ter estado a fazer um curso com bons resultados e muitos sacrifícios, não aceitei.
Fui imediatamente à Direcção dos Serviços de Saúde, pedi para falar com o Director. Respondeu-me que tinha havido uma ordem de Portugal porque o marido era militar, ela também era monitora e veio a Luanda acompanhar o marido, mas eu podia continuar a dar aulas. Respondi que era uma injustiça e que a colonização nunca mais acabava, e que ia reclamar de imediato. “Minha filha não volte a dizer isso”. Percebi que ele não estava de acordo com o que me fizeram e tentava avisar-me para eu não ter problemas.
Entretanto, alguém deu-me a morada da advogada Dra. Maria do Carmo Medina que era uma pessoa excecional, que já defendera muitos angolanos, que sofreram outras injustiças, fui falar com ela. Percebeu que eu estava a passar um momento muito difícil e recomendou calma “continue a dar aulas, e não responda a provocações”. Defendeu-me, ganhei a causa, recuperei o meu lugar. A monitora acabou por sair do cargo e foi trabalhar como chefe para o hospital, porque era bastante protegida dado que o marido era militar.
Faculdade de Medicina, Anos 70
No entretanto, como já tinha passado na aptidão, matriculei-me no curso de medicina. As aulas práticas de anatomia eram atrás do hospital Maria Pia. Alguém disse “não digas nada por enquanto ao teu director que estás a estudar medicina” Nada disse, porque eu dava as minhas aulas na escola, ficava muitas vezes até muito tarde a despachar assuntos da mesma. Não sei como ele soube que eu estava a estudar medicina, um dia disse-me:
- Sei que está a estudar medicina com certeza está a pensar que um dia será directora da escola.
- Oh Senhor Director, fique descansado, porque eu detesto tratar de papéis, quero é tratar de doentes (respondi na brincadeira).
Devia ter alguém que lhe dava informações, porque quando eu tinha exames aparecia muito cedo para despachar, ficava aflita. Cheguei a pedir ao Professor Doutor Nuno Grande[3] autorização para fazer as práticas à tarde, bem assim como os exames e contei-lhe o que se passava. Ficou muito admirado com o comportamento do Director porque era uma mais-valia para a minha formação, ele e outros professores aceitaram o meu pedido e marcavam as práticas e os exames, fora do horário do trabalho.
Quando cheguei ao 3º ano, coincidiu com o período das minhas férias graciosas, pensei que era bom ir para Portugal, aproveitava dedicar-me mais ao estudo, e consegui fazer uma cadeira que permitia a minha passagem para o 4º ano.
Mas, as coisas começaram a complicar-se porque as práticas no hospital universitário eram muito longe da escola.
Superintendente do Hospital Universitário, período de transição 25 de Abril de 1974 a 11 de Novembro de 1975
Com a guerra houve uma debandada de enfermeiros para Portugal, o Reitor e o Dirctor do hospital universitário que tinha sido meu professor numa disciplina, convidaram-me para ser superintendente do hospital, dado que assim podia mais facilmente frequentar as aulas práticas.
E eles fizeram a proposta ao Ministério do Ultramar e era uma questão de dias. Só informei do convite ao meu marido, porque não sabia se a resposta de Portugal seria positiva.
Uns dias antes, um sobrinho na brincadeira com outras crianças num quintal vizinho da nossa casa, viu um frasco com soda cáustica pensando que era açúcar, a pessoa que estava a cuidar dele não deu conta, soda cáustica queimou-lhe a língua e a faringe. Foi evacuado para o hospital do Ultramar, faleceu e fui a Portugal para tratar do funeral.
Como estava em Lisboa, aproveitei e fui ao Ministério do Ultramar para saber se havia alguma resposta sobre a proposta para ir trabalhar para o Hospital Universitário de Luanda. Apareceu um médico que tinha sido Secretário de Estado em Luanda, respondeu-me que sim, felicitou-me por trabalhar e estudar medicina, chamou uma secretária pediu uma cópia do despacho, entregou-me e informou que nos próximos dois dias seria publicado em Luanda. Regressei no dia seguinte a Luanda.
Conhecia o director da Imprensa Nacional, deu-me uma cópia da nomeação, fui imediatamente ao Hospital Universitário falar com o director e dizer-lhe que já tinha sido publicada a minha nomeação O Director do Hospital Universitário respondeu, é bom vir tomar posse amanhã, não só para retomar os estudos, mas também porque a actual superintendente vai regressar a Portugal daqui a dois dias e era bom ela apresentá-la ao pessoal e explicar a situação do que se passava na sua área de trabalho”.
Dirigi-me imediatamente ao Hospital Maria Pia para informar o director da escola da minha transferência. Começou aos gritos, dizendo:
- Vou imediatamente à direcção e não autorizo a sua transferência
- Sr. Director, a minha transferência já foi publicada e o Sr. Director do Hospital Universitário quer que eu tome posse amanhã e vou reunir-me agora com o pessoal da escola para explicar a minha transferência.
Fui ao meu gabinete, solicitei à secretaria da escola para chamar todas as monitoras e pessoal da escola para uma reunião urgente.
Todo o pessoal foi aparecendo na sala de reunião, muitos nem sabiam que eu já regressara de Portugal e informei que dada a situação de eu estar no 4º ano de medicina, precisava de frequentar as práticas e tinha sido convidada para Superintendente do Hospital Universitário, assim era mais fácil estudar e trabalhar. Foi uma surpresa total, disse que já informara o director da escola e ia tomar posse no dia seguinte. Não sabia quem é que me ia substituir na escola, mas que depois da posse, combinaria com a minha substituta a melhor maneira de resolvermos os assuntos pendentes.
Está claro que o director da escola não conseguiu nada, os monitores, professores e alunos organizaram uma grande festa de homenagem, mas nem imaginem a cara do director da escola durante o evento.
Formação intensiva de Atendentes
Com a guerra muitos enfermeiros regressaram a Portugal, havia falta de enfermeiros, muitos feridos e pouco pessoal. Como tinha muito bons enfermeiros do último curso, mandei chamá-los para trabalharem no hospital e colaborarem com os outros enfermeiros na formação de atendentes, principalmente para os cuidados de higiene aos doentes acamados, para que os enfermeiros ficassem mais livres para outros cuidados que exigiam outros conhecimentos.
O hospital tinha de ter uma verba para pagar os atendentes, que estavam a trabalhar e ainda não havia nenhuma resposta para pagar aos mesmos. informaram que o despacho estava na mão do General Rosa Coutinho.
Fui ao Palácio para falar com o chefe de gabinete do General Rosa Coutinho para saber a causa do atraso da verba para pagar aos atendentes. Entretanto, o General Rosa Coutinho entrou na sala e o chefe do gabinete disse o que se passava, mandou-me entrar, assinou o processo, e qual não foi o meu espanto, quando entrei no gabinete estavam vários enfermeiros do nosso hospital com a farda da UNITA.
No dia seguinte, quando cheguei ao meu gabinete, estavam à minha espera três dos enfermeiros que tinha visto no Palácio. Explicaram que já pensavam falar comigo, porque havia muitos feridos da UNITA e iam partir para tratar os feridos. Agradeci a atenção e apenas desejei bom trabalho.
A debandada de médicos e enfermeiros eram diárias para Portugal, embora saíssem outros para a luta. Nós no hospital, nunca sabíamos quem era da UNITA, do MPLA ou da FNLA.
Um dia, disseram que havia uma parturiente que estava muito mal na maternidade e necessitava ir ao hospital para ser operada, mas na avenida do hospital, havia a sede da FNLA, não passavam carros a não ser tanques. Então disse, vamos buscar a doente à maternidade. Entramos num tanque que estava em frente ao hospital, fomos à maternidade, mas no regresso tinha havido uma confusão e não deixavam passar ninguém. Eu disse ao militar que levava uma doente muito mal. Aqui não pode passar, tem de ir por outro caminho. Então, aproximou-se um outro militar, olhou para dentro do tanque e disse “eu conheço esta Sra., é a sra. Monitora Ferronha, pode passar”.
Quando as coisas começaram a ficar “muito quentes” em Angola, com a guerra muito acesa, todos os dias entravam pedidos de transferência para Portugal. Um dia, uma enfermeira chegou ao meu gabinete e disse-me “vou-me embora, mas quero que vá comigo ao aeroporto, é muito importante”. Fui com ela ao aeroporto e a tremer entregou-me uma carta, pediu-me: Sra. Monitora eu confio em si, dê-me a sua palavra de honra que só vai ler esta carta quando o avião tiver partido. Fiquei admirada com o pedido, mas pelo ar alterado que apresentava, calculei que o assunto era grave, perguntei:
- posso ler agora?
- minha cara monitora, já me conhece bem, é realmente um assunto grave, tenho receio e confio na Sra. monitora, mas peço-lhe que leia a carta, só quando o avião levantar voo.
O conteúdo da carta era terrível, fiquei espantada, não queria acreditar numa coisa daquelas. Era um recado para avisar que havia debaixo dos colchões das camas do hospital na enfermaria A e B armas. Fui falar imediatamente com o director e como eu não acreditava nesta informação tão grave e perigosa, perguntou-me se achava que o conteúdo da carta podia ser verdadeiro “acho que sim”. Informei que ela me tinha obrigado a ir com ela ao aeroporto e só entregou a carta quando a chamaram para embarcar, porque tinha medo de que alguém soubesse que ela informara a existência das armas debaixo das camas e impedir a sua saída para Portugal.
O director mandou chamar imediatamente dois colegas, eu e todas as enfermeiras das respetivas salas, tudo muito discretamente. Sabíamos que havia doentes de todos os partidos e quando iam visitar os doentes alguns iam fardados. O director comunicou ao governo.
Mandaram seguranças vestidos à civil e que ficassem no corredor porque nunca sabíamos o que podia acontecer. Depois de uma pequena reunião para combinar como íamos resolver o assunto, o director dirigiu-se às salas dos doentes, informou que o laboratório tinha sido informado de haver uma alergia que estava a provocar doenças na pele, contagiosa e, por conseguinte, eles tinham que sair das salas, para as mesmas serem desinfetadas. Alguns responderam que podiam fazer a desinfecção, porque não havia necessidade de saírem da sala.
Mas, os médicos disseram que era perigoso. Estávamos todos muito preocupados, eu e o director não tínhamos certeza se o que a enfermeira dissera era verdade, mas vimos que os doentes dessas salas estavam muito nervosos.
O director tinha mandado chamar alguns enfermeiros sem dizer o que se passava: fecharam as portas das salas, levantaram os colchões, revistaram os armários onde tinham as suas roupas e realmente encontraram algumas armas. O director disse a todos os intervenientes que não divulgassem este assunto nem no hospital, nem fora, para não provocar insegurança nos doentes, nas suas famílias e pediu a todos os enfermeiros para revistarem todas as salas do hospital.
Entretanto, os doentes daquelas salas perceberam que tinham sido descobertos. O director pediu aos enfermeiros que colocassem os doentes nas suas camas.
Foi falar com eles e disse que o que tinham feito era muito grave e ia informar o governo o que se passara e eles iam sofrer as consequências dos seus actos.
Em Angola na época colonial havia muitos médicos angolanos?
Havia poucos, a maioria eram portugueses e um que era chefe da enfermeira Arminda, uma mulher fora de série que esteve presa, quando soube que costumava ir visitá-la, aliás eu acho que quase todos eram da PIDE, estava sempre com piadas e um disse:
- Quando é que te vais juntar à enfermeira Arminda?
- O Sr. Dr. é que deve saber, a minha política é formar enfermeiros. O Sr. Dr. é que devia visitar a enfermeira Arminda, que sempre foi uma enfermeira fora de série, muito competente e trabalhou anos e anos ao seu lado.
Qual foi o papel dos enfermeiros na Luta de Libertação Nacional?
Principalmente, as mães quitandeiras e de outras profissões apesar do sacrifício que tinham pela frente para custear os cursos, tinham um enorme prazer e era para elas uma grande realização que os filhos tirassem o curso de enfermagem, onde adquiriam muitos conhecimentos e como visitavam os doentes também nas suas casas, difundiam muita informação sobre a luta de libertação e foi uma das profissões mais perseguidas pelos agentes da Pide
A maioria dessas pessoas apenas tinham acesso ao ensino técnico? O seu caso foi uma excepção?
Naquela época considero que sim, porque quando a OMS escolheu-me para ir fazer o curso de professora de enfermagem em Bruxelas, eu já tinha o 7º ano antigo, mas a maior parte tinham o primeiro ciclo, faziam o curso auxiliar e quem possuía o 5º ano fazia o curso geral.
Confirma ser a única monitora angolana antes da independência?
Naquela época era a única angolana monitora com o curso superior. Entretanto, foram-se formando outras especialmente com a colaboração da Escola dos Capuchos e da Escola de Oncologia de Lisboa. Quando foram para Angola, realizaram algumas alterações nas rotinas diárias, solicitaram mais equipamento, conseguiram mais apoios que nós não tínhamos conseguido. Mas, o que interessava é que a escola tinha mais professoras, mais equipamento para melhorar a formação do pessoal.
Havia discriminação no sistema de saúde entre indígenas e assimilados, em Luanda havia um hospital só para indígenas?
Não havia hospital só para indígenas, mas sempre houve discriminação. Algumas vezes, quando entrava na sala, percebia como algumas monitoras se referiam às alunas, mas nada se podia dizer! Uma rapariga era assediada pelo esposo de uma monitora, casada com um médico, era uma racista, as outras duas não eram tanto. A monitora era boa profissional, mas era muito fechada e devia saber o que constava sobre o marido e a aluna.
Um dia quando ia chegar à escola, vi a aluna no corredor a chorar, perguntei-lhe a razão e ela respondeu que reprovara na prática: mas a senhora monitora fez-me perguntas que não eram do programa. Fui à sala onde estavam a decorrer os exames e verifiquei que o júri estava incompleto e disse “sem o júri completo o exame não tem validade, a monitora sabe que é melhor repetir o exame”. Ela disse que não fazia, mas outra monitora aconselhou-a a repetir a prova, para evitar mais problemas, porque havia pessoas que tinham assistido às provas e não estavam de acordo com ela. Mandamos chamar a moça para repetir o exame, que apesar de muito nervosa fez a prova corretamente.
Falei de novo com a moça e expliquei-lhe que o acontecera podia vir a repetir-se. Disse-me que o marido da monitora desde que a tinha conhecido numa festa e mesmo na véspera do exame tinha oferecido boleia e que a monitora ao sair da escola viu o marido falar com ela, perguntou o que se passava e para se defender, disse que o marido tinha perguntado se a esposa já saíra.
Nós não tínhamos nada com a vida particular dos alunos, mas aquela situação podia ter contornos mais complicados. Com tanta sorte quando eu ia a sair da escola, o médico vinha buscar a mulher, mas com aquele episódio já se tinha ido embora. A sua esposa já saiu, mas eu gostaria de falar consigo”. Entrou no meu gabinete, e contei-lhe o que tinha acontecido e tivesse cuidado, porque a rapariga quase perdia o ano. Nós sabíamos que ele era médico da PIDE, muito irritado tentou negar, mas respondi que todos sabíamos das boleias às alunas da escola e para não acontecer o mesmo naquele dia, devia ter mais cuidado.
Eu sabia que aquela monitora era racista, porque um dia em conversa connosco, em tom de brincadeira disse “preciso mandar desinfectar o carro, porque o meu marido tem a mania de dar boleias às negrinhas da escola”.
A PIDE estava instalada em todas áreas, esta é a impressão que se retira das entrevistas? Possuía tentáculos em todas as áreas?
Na escola percebia-se que havia “bufos”, porque havia situações com os alunos difíceis de explicar. Havia um ambiente de desconfiança e insegurança. Muitas piadas. Um dia fiquei até tarde na escola para corrigir provas, estava à espera do meu marido, havia alguns alunos a estudar e de repente apareceu o segurança, disse que o meu marido chegara e havia um professor que tinha visto luz e quis saber o que se passava. Abri a porta e o professor disse “vi luz e pensei que havia uma reunião clandestina”. Entretanto, o meu marido aproximou-se e ainda ouviu a minha resposta. Já estava farta de tantas observações e respondi: então, professor, não quer fazer parte da reunião? Respondeu “era apenas uma brincadeira”.
Para além deste caso, tivemos outras situações, mas a nossa preocupação era querer que os alunos terminassem os cursos com sucesso e não me interessava nada com a política”, ou por outra a nossa política era “valorizar as pessoas que se aplicavam para ser alguém na vida”. Tínhamos professores sempre com comentários inadequados, principalmente um deles disse que fora à escola para falar comigo e que a secretária informara que tinha ido a uma reunião fora da escola. Como podia ser isso, porque ele era professor e não tivera conhecimento de nenhuma reunião e não era a primeira vez que os professores tinham conhecimento dessas reuniões estranhas fora da escola. Com muita calma respondi: O professor é das aulas teóricas e as minhas reuniões com os enfermeiros chefes da cirurgia e medicina era para planear os estágios, colher dados sobre o aproveitamento dos alunos, mas eu é que considero que alguns professores é que estão a fazer observações estranhas, mas se quiserem assistir também às reuniões do planeamento dos estágios é só pedirem à secretária da escola quando é que as mesmas se realizam. Está claro que nunca apareceram, eram só provocações.
Um dia cheguei à escola e uma aluna disse que queria falar comigo e o que ia contar era segredo. Foi logo após a morte daquele jovem, contou-me vários episódios, disse que ia interromper o curso porque tinha medo de que lhe fizessem o mesmo, sentia estar a ser perseguida pela PIDE: Fiquei muito triste, até porque era uma boa aluna e perdíamos uma futura enfermeira.
A experiências universitária em Portugal
O curso de medicina é longo e eu ia fazendo dentro das minhas possibilidades de estudante trabalhadora e uma das vezes que tive férias em Lisboa, aproveitei as mesmas para fazer uma cadeira bastante difícil, porque tinha mais tempo para estudar. Eu já era casada, os meus colegas eram mais novos, já me tinham informado que havia um professor que era horrível, sendo professor tinha conversas provocatórias e racistas e reprovava muitos alunos africanos, porque dizia que vinham mal preparados e que tivesse cuidado. Parece que perdera um irmão na guerra em Angola e fazia aquelas intervenções sem sentido. Quando entrei para assistir a aula teórica, o referido professor dirigiu-se a mim, e perguntou:
- A senhora é de onde?
- Sou de Angola.
- Então, a senhora está a fazer o curso em Angola, faço ideia como são preparados, vem cá fazer esta cadeira porquê?
- Como estou de férias graciosas e para não me atrasar matriculei-me para fazer esta cadeira
- Então, a senhora é branca e os alunos da escola não são todos pretos?
Os meus colegas estavam a fazer-me sinal para não responder, porque eles reprovavam muitos angolanos e cabo-verdianos. Então respondi:
- Eu não sou branca, sou mestiça e na nossa escola de medicina temos também alunos brancos e alguns professores angolanos formados em Portugal, mas a maioria dos professores são das faculdades de Lisboa e do Porto.
Como estava de férias, estudei bastante e apesar dos comentários do professor, passei no exame, regressei a Angola e continuei a estudar.
A amizade com Sita Vales, Luanda 1974-1977
Quando estava como superintendente no hospital universitário, a cursar medicina, tinha aulas práticas e teóricas, mas com muito trabalho no hospital, muitas vezes não podia assistir às aulas teóricas. Conheci no 4º ano de medicina uma colega fora de série, muito inteligente, muito aplicada, a Sita Vales. Éramos muito amigas, e colaborávamos muito bem no trabalho. Ela assistia a quase todas as aulas teóricas eu quando não podia ir às aulas teóricas, tirava cópias para mim, eu por outro lado acompanhava os seus doentes quando ela não podia devido às reuniões políticas
Por vezes, o namorado José Van Dunem[5] ligava para mim para dizer à Sita onde se encontrava para irem às reuniões políticas. Tínhamos um professor que já desconfiava que ela andava metida na actividade política, implicava muito com ela e quando não estava nas visitas aos doentes perguntava porque ela não estava na visita. Eu respondia que devia estar a examinar algum doente. Muitas vezes chegava apressada e perguntava-lhe se não sabia a hora das visitas aos doentes, dava a mesma resposta igual à minha, e o professor com um sorriso, respondia, boa desculpa.
Entretanto, ela engravidou-se e eu tive de levar um doente a Lisboa, aproveitei trazer umas peças de enxoval para o bebé e disse-me que gostava que fosse madrinha do seu filho.
Com a guerra, muito trabalho e estudo tinha mandado a minha mãe e as minhas filhas para Portugal. Entretanto, como estava muito cansada, pensei ir a Portugal ver como estava a família, tratar-me e descansar, embora alguém da direcção quisesse impedir a minha saída. Sempre pensei regressar a Luanda, mas com a continuação da guerra resolvi acabar o curso de medicina, e o meu marido reuniu-se à família uns meses depois.
O mercado para profissionais de saúde, Lisboa década 70
Como eu tinha família em Lisboa, sempre que havia doentes para ir a Lisboa eu aceitava acompanhar os doentes, e não ficava mais do que um ou dois dias.
Entretanto, um dia fui à Fundação Gulbenkian assistir à exposição de um pintor angolano e ele apresentou-me o presidente da Fundação Gulbenkian, Dr. Sá Machado[6] que tinha nascido em Angola, disse que eu era Monitora Chefe da Escola de Enfermagem, tinha tirado o curso em Bruxelas. Fomos os três tomar um café, como sabia que a Fundação dava bolsas de estudos, perguntei o que era necessário para alguns enfermeiros angolanos irem a Lisboa fazer alguma especialização. Respondeu-me que tinham outros projectos para Angola. Fez-me várias perguntas sobre o curso de Bruxelas e sobre a escola dos serviços de saúde em Luanda. Fui respondendo, acabei por dizer que a nossa escola de enfermagem era muito velha, tinha muita falta de equipamentos.
Um dia tive conhecimento que a Fundação Gulbenkian ia fazer uma escola técnica em Luanda. Passado alguns anos, vi a escola nova crescer porque era o caminho para a minha casa. Era enorme, com campos de jogos, piscina, era uma escola moderna. Começamos a fazer as mudanças para a escola nova, havia o lar para os alunos que vinham de fora.
No dia da inauguração estava o director da escola, os directores dos Serviços de Saúde, o Governador e também o Presidente da Fundação Gulbenkian, Dr. Sá Machado, e no discurso disse que a Fundação Calouste Gulbenkian já tinham pensado fazer uma escola técnica em Angola e uma em Moçambique, mas que a monitora Eduarda Ferronha, numa passagem por Lisboa, tinha dado muitas informações úteis sobre a situação da escola.
Já em Lisboa, algumas vezes fui ver algumas exposições e ia cumprimentá-lo. Quando faleceu prematuramente, eu e alguns alunos residentes em Lisboa, fomos ao funeral.
Com o agravamento da guerra em Angola, juntamo-nos aos retornados que vinham para Portugal. A mim e as minhas filhas colocaram-nos num hotel e depois numa residência na Avenida Gago Coutinho. Ficamos alojadas, eu e as minhas filhas num quartinho, meu marido ainda continuava em Luanda, mandava fundos, comprei um carro principalmente, porque necessitava de fazer domicílios.
Como já trabalhava eu e uma outra colega retornada, alugamos umas instalações em Chelas, com uma ajuda que davam aos retornados, abrimos uma clínica. No início vivia na clínica, era perto das escolas das minhas filhas, perto do hospital Santa Maria. Com o regresso do marido, alugamos uma casa fora de Lisboa. Como éramos cinco, as filhas iam crescendo, a casa era pequena e os terrenos fora de Lisboa eram mais baratos, resolvemos comprar um terreno, iniciamos a construção de uma vivenda, logo que a cave ficou pronta, mudamos e fomos construindo a vivenda sob a orientação do meu marido.
Foi fácil integrar-se em Portugal?
Não tive nenhuma dificuldade em integrar-me, porque sempre trabalhei e estudei, pelos sítios por onde passei deixei muitas amizades, dediquei-me a actividades para ajudar os mais necessitados, principalmente as nossas comunidades angolanas mais carentes.
Durante a guerra em Angola, nos últimos dias antes da independência, aconteceram casos difíceis de aceitar. Havia médicos angolanos e portugueses na urgência do hospital São Paulo, mas num determinado dia, tinha havido umas lutas muito intensas perto de Luanda e um médico português dizia aos enfermeiros: “brancos de um lado e os negros do outro” e uma enfermeira veio chamar-me, e eu disse: o que é isto? Põe os brancos para serem operados em primeiro lugar, porquê? A regra é atender os doentes em estado mais grave em primeiro lugar. Respondeu “são eles que andam a matar”, eu disse-lhe isto é incorreto, aqui não há brancos nem negros! Se o senhor não está bem a tratar os negros porque ficou cá? Então, disse-lhe que ia fazer queixa ao director, porque os doentes são tratados, avaliados pela gravidade da situação e não pela cor.
Houve um médico que ouviu a conversa e disse “oh colega, vai-te embora que eu fico aqui, porque a Dra. tem razão”.
Tenho muitas recordações e saudades da minha terra, quando vim para Lisboa para descansar e tratar-me, nunca pensei ficar por cá. Havia, naquela altura, algumas provocações no colégio onde as minhas filhas estudavam, expressões como, “filhas do colono, vão-se embora”.
Aqui em Portugal há segregação e racismo?
Há e continua a haver. Quando fui votada para deputada para a Assembleia da República pelo Partido Socialista uma senhora que fazia parte do departamento das mulheres, não me viu chegar e disse “então, estamos aqui há tanto tempo e ela que é negra foi eleita para deputada? Uma socialista que estava na sala disse “ela é mestiça” e a primeira respondeu “estás enganada, na América é negra”. Não imaginam como é que ela ficou, quando percebeu que eu tinha ouvido, e disse-lhe, “cara colega, reclame e façam nova eleição”.
Já ouvi também alguns angolanos dizerem “algumas pessoas nasceram em Angola, mas não são angolanos”, São expressões… Muitos deles nasceram em Angola, vieram com três anos e ou na adolescência. Apesar de deixarem Angola muito novos, sentem o seu vínculo à sua terra, saudade, recordam as vivências das brincadeiras com os colegas, dos sítios por onde passaram, não há nenhuma lei que anule essa ligação.
Portugal explorou e aproveitou-se dos militares angolanos que lutaram contra o seu próprio povo e não tiveram as reformas a que tinham direito, foi uma grande injustiça.
Foi realmente uma grande injustiça. Um grupo de militares angolanos organizaram uma comissão, reclamaram pelos seus direitos, mas só alguns é que conseguiram regularizar as suas situações.
Outro assunto é o tema sobre a escravatura, não queremos voltar às feridas, uma coisa é a história, outra coisa é recorrer aos temas para se virar contra o colonizador. Há generais portugueses que reflectem ideias sobre abordar a história dentro de um conceito de cultura de paz.
Há factos históricos, os arquivos estão na Torre de Tombo, porque não contamos na primeira pessoa o que os arquivos dizem? As prisões e mortes aceleraram a luta de libertação nacional, devido à pressão no interior e no exterior?
Por exemplo, quando o Gentil Viana[7] foi para o hospital, eu fui visitá-lo porque éramos amigos, disseram que eu não podia entrar, quer dizer nós temos de ser solidários com os nossos amigos, até porque ele estava muito doente e tinha pouca família em Luanda
Depois desta resposta deixaram-me entrar, mas o PIDE ficou sentado perto da cama do Gentil a ouvir toda a nossa conversa.
Mesmo quando fui visitar a Arminda, mandaram chamar-me para perguntar porque ia visitar tantas vezes a Engª Arminda. De onde a conhecia? Eu respondi: Somos amigas e trabalhamos no meu hospital Por acaso algumas vezes quando ia visitar a Arminda, havia um polícia muito correto que já me conhecia, perguntava o que levava, respondia que eram uns doces. E não abria o embrulho, contrariamente a outros que vasculhavam tudo e esperava algum tempo porque telefonavam para alguém para saber se devia ou não deixar visitar a enfermeira Arminda.
Eu morava num segundo andar do edifício perto da livraria Lello e o chefe da PIDE no quarto andar, o mesmo que já tinha mandado chamar-me várias vezes, onde eu tinha um centro de saúde nesse prédio. Um dos meus cunhados tinha estado a dar aulas no Congo, foi preso, depois libertado, mandava recados para mulher dentro da pasta de dentes, para o nosso endereço e nós depois entregávamos à esposa. Por duas ou três vezes quando descíamos no elevador, perguntava-me:
- Então, onde está o seu cunhado?
- O senhor como é da PIDE é que deve saber.
A minha política era que as pessoas se formassem, eu sabia que o melhor contributo que podíamos dar ao nosso país era formar quadros para o desenvolvimento do mesmo.
Muitas vezes perguntavam-me se eu acreditava que Angola seria um dia independente, só para me provocarem, e eu respondia na brincadeira “se alguns países tinham conseguido, talvez chegue a nossa vez”.
A minha família, dizia, qualquer dia vais presa.
A deputada, Partido Socialista
Um dia uma cunhada convidou-me para ir a uma reunião de mulheres socialistas, que estavam a fazer campanha para arranjar mais sócias, acabei por preencher a ficha. Como era médica convidaram-me para fazer parte do departamento de saúde e também do departamento das mulheres.
Como pertencia ao Concelho de Loures, eu e o Dr. António Costa, ex-Primeiro Ministro, fomos eleitos deputados para a Assembleia da República por Loures.
Como coordenadora do PS na Secção da Bobadela criei uma secção com o número igual de mulheres e homens.
Fiz parte da comitiva que acompanhou o então Secretário-geral do PS, Engenheiro Guterres a Angola, houve comentários por eu fazer parte da comitiva, mas por terceira pessoa, tive conhecimento que o ministro das Relações Exteriores de Angola Venâncio da Silva Moura, meu ex aluno, solicitará a minha inclusão na comitiva.
Quando voltei de Bruxelas criei na sede do PS, com a colaboração de personalidades do PS, o Departamento das Pessoas Idosas, corria o País para preparar os técnicos que cuidavam das pessoas idosas, realizando cursos de geriatria e pela primeira vez, realizamos um Parlamento das Pessoas Idosas na Assembleia da República que correu muito bem.
Quando fui escolhida para deputada, eu tinha um consultório com várias salas alugadas a outros colegas. Ao preencher os documentos disse que tinha esse consultório, mas tinha interrompido as minhas consultas. Entretanto uma colega viu que o meu vencimento não era igual ao dela e não sabia porquê. Fui perguntar a razão. Deram-me uma resposta muito vaga, mas não aceitei e pensei em reclamar.
O Presidente da Assembleia da República era o Dr. Almeida Santos, tinha uma ligação muito grande à África, porque tinha estado muito tempo em Moçambique e muitas vezes conversava comigo, sobre Moçambique e Angola. Solicitei uma audiência ao Dr. Almeida Santos, expliquei o que se passava, que preencherá os documentos que eram solicitados aos deputados e informara a funcionária que me atendeu, que tinha interrompido as consultas e não percebia o que acontecera, porque recebia menos que os meus colegas. O Dr. Almeida Santos mandou chamar a funcionária e a mesma disse que não percebia o que se passava, porque eu explicara que tinha interrompido as minhas consultas e só o chefe podia dar as explicações sobre o que acontecera.
Está claro que o chefe da secção com quem me cruzara algumas vezes, e um dia dissera que tinha um irmão que tinha estado em Angola, mas não explicou em que situação, mas com semblante muito carregado. Deu várias dar explicações para justificar o erro que cometera, mas o Presidente referiu que rapidamente deviam devolver os valores retirados e ia pedir ao executivo, para realizarem um inquérito sobre esta situação. Foi muito bom ter recebido o valor que me deviam, porque estávamos a construir a nossa casa e pudemos dar um avanço às obras da mesma
Congresso de Saúde, Angola
Durante o período em que estive na Assembleia da República conheci muita gente, empresários e personalidades da diáspora angolana. Sou Presidente da LiAfrica com grande colaboração de Portugal e Angola organizamos um Congresso de Saúde, com a participação de muitos médicos, enfermeiros e outros técnicos da Diáspora Angolana, foi um êxito com a presença de cerca de 1000 participantes de toda Angola. Teresa Cohen era nessa altura vice-ministra da Saúde, convidamos a Ministra da Saúde, Drª Maria de Belém por Portugal, o falecido Rui Cunha, Secretário Nacional do PS. A TAAG promoveu bilhetes mais económicos para os congressistas e muitos angolanos aproveitaram essa oportunidade para ir à terra. O congresso realizou-se no antigo cinema Restauração e tivemos desde o início do projecto o apoio do então Presidente da República, Engenheiro José Eduardo dos Santos e do então Ministro das Relações Exteriores, Venâncio Moura.
Durante uma semana além do congresso propriamente dito os médicos e enfermeiros da diáspora realizaram cursos intensivos de várias especialidades em várias cidades angolanas. Findo o congresso convidamos 12 enfermeiras para virem a Portugal realizar um estágio no hospital Santa Maria para actualizarem os seus conhecimentos.
A Fundação da LIÁFRICA e da Welwitschia
Depois da realização do Congresso dos Quadros Angolanos em Lisboa, com a presença de quadros angolanos vindos de Angola, os membros da organização do congresso fundaram a LiÀfrica que é uma associação sem fins lucrativos.
Um dia o antigo embaixador Osvaldo Serra Van Dúnem[8]disse que em Portugal não havia nenhuma Casa da Cultura Angolana. Aceitamos esse desafio e um grupo de angolanos, fundou a Casa da Cultura Angolana Welwitschia. Fizemos várias tentativas para alugar um espaço mas a direcção para evitar muitas despesas dados que as duas associações eram sem fins lucrativos, resolvemos juntar a LiAfrica e a Casa da Cultura Angolana no mesmo espaço, mas com registo das finanças e da segurança social independentes.
Além de desenvolvermos um projecto de diálogo com os idosos, visitamos também alguns idosos que vivem sozinhos, para cumprimentá-los e dar um certo carinho. No Natal recolhemos roupa e brinquedos para os doentes residentes nas pensões, oferecemos bacalhau e azeite, e brinquedos para proporcionar um pouco de alegria. O nosso trabalho é realmente com a nossa comunidade, incluindo congressos com a diáspora, para tornar Angola mais conhecida.
Em 2022, realizamos um congresso onde o Ex. Ministro dos Negócios Estrangeiros Dr. Manuel Augusto foi preletor pela parte angolana e pela parte portuguesa o Ministro dos Negócios Estrangeiro, Dr. João Cravinho e aproveitamos o momento para homenagearmos as pessoas que nos têm ajudado, como também alguns angolanos que se tem distinguido em Portugal,
Há três anos organizamos uma homenagem ao nosso primeiro presidente, Dr. Agostinho Neto onde foram convidadas personalidades que recordaram a sua vida antes e depois da proclamação da Independência, terminando com poemas do Presidente Dr. Agostinho Neto.
Como já referi, convivo muito com os idosos, os meus conselhos nas conversas da educação para a saúde, aconselhamos a marcarem uma consulta de Geriatria que é indicada para quem procura um envelhecimento saudável, procurando manter e preservar as suas faculdades mentais e físicas e manter se ocupado de acordo com as suas capacidades.
Aconselho os idosos e prático muitas actividades, embora com muita idade, passo por situações muito engraçadas: encontro amigos antigos, a minha voz é característica (por vezes reconhecem-me pela voz), clientes, alunas, muitas dizem “pensava que já tinha morrido”, ou “desculpe, minha senhora, a senhora é irmã da Dra. Ferronha? Era minha médica? Já morreu?” Começo a conversar com elas e percebem que sou eu, e ficam contentes. Nesse jantar do final do Congresso do MPLA em Angola, um militante dirigiu-se a alguém da minha mesa e perguntou, eu vi na lista dos participantes uma filha da minha professora, que tem o mesmo nome, sabem onde ela se encontra, porque gostava de cumprimentar a filha da Drª Eduarda Ferronha. Não é a filha, é ela própria, olhe para aqui. Nem acredito, foi com grande emoção que me deu um abraço.
O encontro com o aluno José Eduardo dos Santos
Ele foi meu aluno em Farmácias, matriculou-se no curso e esteve lá pouco tempo antes de estudar na Rússia. Sou do CAP do MPLA de Lisboa e fui como delegada a um congresso do MPLA em Angola. E perguntavam “se não vai falar com o seu aluno?”. No dia em que houve a audiência, não podia deixar a gestão organizacional e no dia do almoço nunca mais me chamavam, fiquei em uma mesa onde estavam participantes do PS, e eu disse “ninguém do protocolo nunca mais chama-me para ir cumprimentar o nosso presidente”. Subitamente, reparei que o Presidente José Eduardo estava a cumprimentar os congressistas estrangeiros e aproximei-me e perguntei-lhe “sabe quem eu sou?”, respondeu-me “Embora tenha passado algum tempo desde a última vez que nos vimos, não podia esquecê-la”.
Eu sei que as pessoas achavam que eu era muito rigorosa, os antigos alunos achavam que eu era muito exigente, não deixava passar ninguém que não soubesse, mas a missão era cumprir os objectivos da profissão, e exigia que nos serviços estivessem corretamente uniformizadas. Neste mesmo dia, tinha um jantar com as antigas alunas, mas talvez pela grande comoção, a lembrança dos tempos passados, fiquei afônica e mudei o jantar para outro dia.

Este depoimento foi realizado em Lisboa, em Outubro 2023.
Colector: Marinela Cerqueira
Palavras Chaves: Escola de Enfermagem de Luanda| Enfermeira Arminda | Dr. Nuno Grande| PIDE| Enfermeiros| Moçâmedes| Colégio das Doroteias| LIAfrica |Welwitchia| Congresso de Saúde em Angola| Faculdade de Medicina| Deputada Partido Socialista
[1]História de Moçâmedes. Registos e Factos. Visita do pR Carmona, 1938 : segundo legendas do audiovisual a visita do PR Carmona a Moçâmedes em 1938 Um milhar de estudantes e professores desfilaram, os angolanos também se fizeram representar pela rainha cuanhama, Galinhaço, chegou ao espaço no seu carro, acompanhada pelas suas damas de honra, a quem o presidente ofereceu peças de seda e recebeu em troca um cabrito, 40 cavaleiros cuamatos, mucubais e soldados indígenas da infantaria participaram no desfile ver audiovisual História de Moçâmedes., https://www.youtube.com/watch?v=3PilOM4YJJ4
[2] Recordar Angola. Fotografias e histórias. Books and photos, livros e memórias https://recordarangola.blogspot.com/2012/12/maria-eduarda-ferronha-nas-memorias.html
[3] Nuno Lídio Pinto Rodrigues Grande (Vila Real, 1932 — Porto, 8 de outubro de 2012)[1] foi um médico, investigador e professor português, fundador do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar e Director do Departamento de Anatomia. Nuno Grande formou-se em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, com a apresentação de uma tese de 19 valores, tendo, na altura, sido convidado para ser assistente da cadeira de Anatomia ao lado do Professor Hernâni Monteiro. Doutorou-se em 1965, com a classificação de 19 valores. Seguidamente foi mobilizado pelo Exército e colocado no Hospital Militar de Luanda. Foi 1º Assistente da Universidade de Luanda e foi Encarregado do Centro de Estudos de Medicina Experimental do Instituto de Investigação Científica de Angola. Na Universidade de Luanda, regeu as cadeiras de Anatomia Topográfica e de Histologia, orientando, também, Anatomia Descritiva e Biologia. Em 1970, pela extensão a Angola da jurisdição da Ordem dos Médicos, Nuno Grande, apesar de estar a viver na então colónia há menos de 5 anos, foi eleito pelos colegas Presidente do Conselho Regional da Ordem dos Médicos. Exerceu igualmente as funções de Director da Faculdade de Medicina e de Vice-Reitor da Universidade de Luanda. Em 1974, regressou de Angola, tendo, em 1975, juntamente com personalidade médicas como Corino de Andrade, fundado o actual Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, no Porto.[2] Nesta escola médica, em que foi regente da cadeira de Anatomia Sistemática realizou trabalhos inéditos de repercussão internacional. https://pt.wikipedia.org/wiki/Nuno_Grande
[4] Enfermeira Arminda, Imagem do Jornal de Angola, https://www.jornaldeangola.ao/ao/noticias/detalhes.php?id=36612
[5] José Jacinto da Silva Vieira Dias Van-Dúnem, também conhecido como Zé Van-Dúnem Filósofo[1] (Moçâmedes,[1] 29 de agosto de 1939 — Luanda, 8 de julho de 1977), foi um militar, político e ideólogo anticolonial angolano.Filho primogénito de Antónia Vieira Dias e Mateus Van-Dúnem,[2] José Jacinto Van-Dúnem advém de uma família ligada aos primórdios do movimento nacionalista moderno angolano,[2] especialmente na figura de seu avô, Manuel Pereira dos Santos Van-Dúnem,[2] e de seu tio-avô, Manuel Inácio dos Santos Torres Vieira Dias.[2]José Jacinto Van-Dúnem recebeu a sua educação primária em uma escola no Sumbe, onde sua família residia em função do emprego público de seu pai.[2] Mudou-se para Luanda e passou a morar com seu tio[2] para poder estudar no Liceu Nacional Paulo Dias de Novais (actual Escola Angola Quiluanje). Depois estudou na Faculdade de Medicina da Universidade de Luanda.[2] A partir de meados da década de 1960, por influência familiar, ingressou na luta anticolonial no movimento marxista MPLA, abandonando a Faculdade de Medicina.[2]
[6] Victor Machado nasceu em Caala Huambo, Angola, a 18 de novembro de 1933. Era filho dos transmontanos Américo Virgílio de Sá Machado, natural de Algoso, e de Maria Raquel Nunes, de Chacim.Passou a infância e a juventude em Angola, onde frequentou o Liceu de Sá da Bandeira. Depois de concluídos os estudos liceais com a classificação de 17 valores estudou Direito na Universidade de Coimbra, enquanto bolseiro da Câmara Municipal de Lisboa. Licenciou-se em 1957 com 16 valores e, no ano seguinte, iniciou a frequência do Curso Complementar de Ciências Jurídicas, que concluiu com a classificação final de 17 valores. Faleceu em Lisboa a 27 de abril de 2002. https://sigarra.up.pt/up/pt/web_base.gera_pagina?p_pagina=doutores%20honoris%20causa%20pela%20u.porto%20-%20victor%20s%c3%a1%20machado
[7] Registo de Memórias: Gentil Viana, Nascido na capital de Angola, em Novembro de 1935, Gentil Ferreira Viana começou jovem, ainda no liceu de Luanda, a lutar pela identidade angolana nos moldes que eram possíveis naqueles tempos em que o fascismo português exercia feroz repressão política em Portugal e nas suas colónias. Seguia as pisadas do seu pai, Gervásio Viana, um dos fundadores da Liga Nacional Africana.https://www.portaldeangola.com/registo-de-memorias-gentil-viana/
[8] Osvaldo de Jesus Serra Van-Dúnem (Luanda, 8 de agosto de 1950 – São Paulo, 4 de fevereiro de 2006) foi um político e diplomata angolano. O seu apelido é de origem flamenga, da conhecida família angolana “Van-Dúnem”. Por um curtíssimo período em 1992 foi Ministro da Juventude e Desportos. De 1999 a 2002, foi embaixador de Angola em Portugal. Ele deixou o cargo para se tornar ministro.Foi nomeado Ministro do Interior a 16 de Dezembro de 2002 pelo Primeiro-Ministro Fernando da Piedade Dias dos Santos.[1] Em maio de 2006, Van-Dúnem morreu em funções ministeriais durante uma visita ao Brasil.[2] https://pt.wikipedia.org/wiki/Osvaldo_de_Jesus_Serra_Van-D%C3%BAnem
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