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As Fases do Ensino em Angola, Noémia de Fátima Lourenço da Silva

Fátima Lourenço da Silva, foi identificada no início do projecto pela educação ser a força motriz do desenvolvimento. Formada em história pedagógica pertence à uma família malanjina, onde as meninas estudaram, foram professoras e desempenharam diversos cargos no Ministério da Educação de Angola ao longo da sua carreira, hoje reformadas. Sua irmã Filomena Kitumba[1] já depositou memórias sobre Malange, infância, educação e a experiência pedagógica. O segundo malanjino a partilhar suas memórias foi José Mena Abrantes[2]. A leitura dos três textos e a visão e audição de dois audiovisuais representa uma descrição de Malange até os primórdios da Independência de Angola 1945-1953.

Enquanto historiadora pedagógica após a transcrição da entrevista em áudio, modificou o diálogo neste texto, resumindo e apresentando claramente o seu conhecimento e suas memórias. A História Social de Angola prevê o depósito de memórias escritas pelo depoente e embora a entrevista tenha seguido os passos dos depoimentos anteriores, recebemos esta versão que é publicada fidedignamente, sendo a original preservada como prova, mas sobretudo pela riqueza e indicações de outras fontes secundárias.

A depoente orienta as suas memórias com base no sistema colonial do Estado Novo assente na discriminação dos indígenas e dos outros angolanos, cujos eixos principais eram o ensino e a produção.

Enquanto parte deste sistema, estudou e acompanhou a formação de angolanos em várias províncias, transformando o depoimento em uma descrição de uma aluna, estudante, colega, professora e pedagoga.

Começa por descrever o ensino em Angola a partir da década de 1940, detalhando a discriminação imposta aos angolanos assentes em escolas das Missões católicas e em escolas públicas e os instrumentos de controlo e descriminação. Sendo um deles, pedagógico: O Exame de Admissão às escolas técnico profissionais e aos Liceus após a 4ª classe (I Nível de Escolaridade).

A Igreja Católica, dominava os registos de nascimento, através do baptismo, cuja discriminação se consubstanciava em filhos legítimos nascidos após o casamento dos pais na Igreja ou na Conservatória Civil; legitimados nascidos antes do casamento dos pais, e ilegítimos nascidos de pais solteiros ou vivendo maritalmente, ou mesmo casado de acordo com as regras tradicionais (casamento africano).

O Ensino não era abrangente a todas as classes sociais. Os indígenas não tinham esse direito. O acesso à escola era muito limitado para os filhos de pais solteiros. Também existia na época, o registo de pais incógnitos. Eram as crianças cujos pais eram desconhecidos ou se furtavam a registá-los. É de salientar que essas crianças eram muito discriminadas e cresciam com muitos traumas.

Orgulhosamente, destaca três conquistas da independência:

– O fim da ilegitimidade paternal e seus benefícios;

– O acesso à educação sem qualquer discriminação para todas as crianças;

– O direito ao repouso de parto para todas as mães de todos os Estados Civis e de todas as condições sociais.

Sublinha que, a luta contra a discriminação social da mulher prevalece em todo período pós-independência.

E sublinha que o malogrado bispo de Benguela Dom Óscar Braga, criou uma organização denominada PROMAICA (Promoção da Mulher Angola na Igreja Católica), cujo objectivo é a inclusão de todas as mulheres em todas as organizações sociais e promoção da alfabetização.

Também se referiu a criação da obra social da Maxinde, uma obra criada pelos padres BASCOS (espanhóis), em Malanje, no Bairro da Maxinde, em 1964. Esta obra visava a promoção social dos jovens adultos e crianças. E desenvolveu o desporto, a formação, o profissional e a formação académica dos mais desfavorecidos, inclusive, desenvolveu muitas acções de formação feminina. Entre elas, uma equipe de basquetebol feminina juvenil que se destacou no país, antes da independência.

E sublinha que o império português mantinha a mulher em níveis sociais mais baixos e iletradas.

Apresenta outra conquista relevante da independência: o “intercâmbio cultural”, entre os diversos povos e as diversas culturas nacionais e o enfraquecimento do tribalismo.

O privilégio de circular e viajar pelo país era limitado até 1975, os angolanos só foram percebendo a sua diversidade geográfica, cultural e social no fim do colonialismo.

Introdução

Eu me chamo, Noémia de Fátima Lourenço da Silva, nasci em Malanje no dia 13 de Maio de 1953, fiz o ensino primário na Escola n.º 108 e o curso complementar dos liceus, tendo terminado em 1973; licenciei-me em História Pedagógica em 1985 no ISCED do Lubango.

Fui professora durante 30 anos. Leccionei o ensino primário, as disciplinas de História, Geografia, Língua Portuguesa e Inglês do ensino secundário e também, leccionei História e Geografia no ensino médio IMNE – Comandante Cuidado em Malanje.

Trabalhei no Ministério da Educação durante 10 anos. Actualmente, desenvolvo actividades culturais e religiosas na paróquia São João Paulo II, no Sequele, Município de Cacuaco.

O sistema colonial era repressivo e fascista, havia muita discriminação entre angolanos e portugueses, no que concerne a deveres e direitos. A maioria dos angolanos fazia o trabalho básico. Eram serviçais mal remunerados.

O ensino nunca foi abrangente. Havia dois tipos de escolas para o ensino primário: as Escolas Primárias Oficiais para os portugueses e assimilados e as Escolas das Missões, para os indígenas.

As escolas primárias oficiais, eram designadas por números, a nível de todo território. A escola n.º 1, foi implementada em Luanda e os números foram consecutivos noutras localidades. A primeira escola primária de Malanje foi a n.º 25. No fim do colonialismo, havia em Malanje, cinco escolas primárias oficiais: a N.º 25, a n.º 74, a n.º 87, a n.º 108 e a n.º 234.

A Igreja Metodista Unida, entrou no território angolano no século XIX, e foi instalada pela administração colonial na região do Quéssua, em Malanje. Esta região era exclusiva para a Igreja.

Lá foram construídos um hospital, uma escola primária e secundária do I ciclo e dois internatos (um masculino e outro feminino) e, uma escola de formação feminina (a Escola Doméstica), onde as meninas aprendiam a costurar, a bordar, a cozinhar diversos pratos. Também aprendiam puericultura e higiene.

O Hospital do Quéssua

No início do Séc. XX a igreja Metodista Unida, construiu no Quéssua, um hospital já apetrechado com laboratórios, bloco operatório e outros meios. Onde funcionavam médicos e outro pessoal técnico, belgas e americanos. Muita gente de várias regiões ia lá tratar-se. Os técnicos falavam com os doentes (comunicavam), em Kimbundu. E construíram umas pequenas palhotas ao redor do hospital para albergar os familiares dos doentes, quando estes ficassem internados.

A minha mãe, em 1957, sofreu uma cirurgia naquele hospital, tinha eu quatro anos e nós, meus dois irmãos mais novos, um bebé, a minha avó e uma tia nossa na altura jovem, permanecemos lá três meses. A residência tinha apenas um quarto que servia de dormitório e cozinha.

As missionárias, diariamente, traziam leite para o meu irmão bebé. A volta das palhotas, foram construídas latrinas colectivas que eram higienizadas diariamente pelos utentes.

No Quéssua, os missionários, ao contrário dos portugueses, que celebravam o culto em latim, até 1964, o culto era celebrado em Kimbundu.

Toda sua missionação foi feita na língua nacional. A utilização da nacional Kimbundu, permitiu aos missionários belgas desenvolverem melhor o seu trabalho que os portugueses.

Sublinho, muitos jovens que estudaram no Quéssua, foram dos primeiros a enfileiraram-se nos Movimentos de Libertação Nacional e começaram a lutar pela independência nacional.

Entre eles, destacam-se Agostinho Neto, Deolinda Rodrigues e Hoji Ya Henda Muitos dirigentes do nosso governo actual, foram estudantes do Quéssua, entre eles consta, o ex-vice-presidente da República, o Sr. Bornito de Sousa. Também os missionários belgas e americanos formaram muitos enfermeiros neste hospital.

O ensino na Missão Católica

A Igreja Católica abria escolas nas aldeias e nas comunas em muitas localidades do território angolano.

Em Malanje, concretamente, no centro da cidade, ao lado da Sé Catedral, abriu uma escola primária só para rapazes e bem próximo, havia outra escola primária, só para raparigas.

Também, as irmãs da congregação São José do Cluny, construíram um internato para as meninas, onde aprendiam a ler, a escrever, a costurar e os princípios da Igreja Católica.

É de salientar que, nessas escolas, eram marginalizados (aceites ou não), os filhos de pais incógnitos e mesmo alguns ilegítimos.

Friso que, embora só se estudasse o ensino primário, os jovens saiam de lá lendo e escrevendo corretamente e falando português com fluência. A minha mãe, só fez nesta escola, a 3ª classe e apesar dos seus noventa anos de vida, lê e escreve muito bem.

Em todas as escolas primárias, de todos os tipos, nem todos os alunos tinham direito ao exame final.

Um mês antes dos exames, os professores apuravam os mais habilitados e os que apresentavam mais debilidades, geralmente 15% não eram admitidos ao exame.

E, nos exames finais eram feitas duas provas: A escrita e a oral. Primeiro fazia-se a escrita, caso aprovasse fazia-se a oral e, caso não, reprovava. Também, na prova oral, se reprovava. Portanto, após ser admitido para o exame, ainda eram avaliados em duas provas.

Por essa razão, devido ao nível de exigência e ao nível dos conhecimentos adquiridos, quando uma criança ou jovem fizesse a 4ª classe, era aplaudida e a sua comunidade toda festejava.

Reformulação do Sistema de Governação

Após a II Guerra Mundial, a independência do Gana e de outros estados africanos e o início da luta armada em 1961, o regime colonial português fez uma reformulação no seu sistema de governação.

Consequentemente, aboliu o contrato e o trabalho forçado nas roças e nas grandes plantações de café e algodão em Malanje, no Cuanza Sul, no Uíge e no Cuanza Norte.

O ensino foi mais expandido e mais abrangente. O governo português, na altura, temia que os angolanos se revoltassem contra eles e aderissem aos Movimentos de Libertação, então para que tal não acontecesse, fizeram algumas transformações no sistema de governação:

– Eliminaram o contrato e o trabalho forçado;

– Tornaram o ensino Primário mais abrangente e mais expansivo;

– Desenvolveram o sistema de saúde, construindo hospitais, postos sanitários e formando técnicos médios e básicos;

– Implementaram a formação técnico profissional;

– Formaram operários qualificados em diversos ramos;

– Criaram           pequenas         indústrias        têxteis de        bebidas           e  agroalimentares (principalmente no Dondo e Lobito);

– Abriram estradas em muitos locais para facilitar a circulação de pessoas, meios de produção e alimentos;

– Construíram vivendas grandes para os latifundiários, centros habitacionais para os pequenos agricultores e bairros para a Função Pública;

Devido ao surgimento da Luta Armada de Libertação Nacional, vieram milhares de jovens portugueses engrossar o exército, com diversos níveis de escolaridades e diversas qualificações e aptidões (embora uma grande parte, o soldado básico fosse analfabeto), tinha aptidões para a lavoura, criação de gados e não só.

Educação em Angola no fim do colonialismo

Expandiram o ensino primário. Foram criadas as escolas de formação de postos escolares. A primeira foi na vila do Cuíma, município da Caála, província do Huambo (só para rapazes). Os rapazes entravam com idade compreendida entre 14-18 anos e saiam habilitados com a 4ª classe.

A formação tinha a duração de 4 anos e as disciplinas leccionadas eram:

– Língua portuguesa;

– Ciências Naturais;

– Matemática;

– Desenho Básico e Profissional;

– História de Portugal;

– Geografia Física, Política e Económica de Portugal e respectivas colónias;

– Pedagogia;

– Didáctica;

– Enfermagem;

– Religião e Moral;

– Trabalhos Manuais.

Depois, abriram também, escolas de formação de Professoras de Postos Escolares para as meninas em Malanje, no Bié, na Lunda Sul e na província do Zaire.

Essas escolas, funcionavam em regime de internato. E eram dirigidas pelas freiras (Irmãs de São José do Cluny), a formação tinha duração de 4 anos. As condições de ingresso eram:

– Ser católica praticante;

– Ter a idade compreendida entre 14-18 anos;

– Ter como habilitações mínimas a 4ª classe (ensino primário completo);

Nessas escolas, as raparigas tinham formação religiosa, académica, humana e doméstica. Também tinham aulas de enfermagem básica, cuja prática era feita nos hospitais próximos.

A actual Ministra da Educação, a Sr.ª Luísa Grilo e muitas outras senhoras, que desempenharam funções relevantes no Ministério de Educação, nas organizações sociais e noutros ministérios, provieram desses internatos, designados Magistério de Formação de Professores de Postos Escolares.

Nos últimos anos, abriu na província do Bengo, uma escola de habilitação de Professores de Postos Escolares, que já era para rapazes e meninas, quer fossem cristãos, quer não.

Também foram formados professores monitores. Era o nível mais básico, professores formados apenas com a 4ª classe (anualmente), participavam em seminários de formação pedagógica e didáctica.

Foram instituídas Escolas de Magistérios para professores primários, tendo como base o 5º ano inicial. Portanto, o ensino primário estava subdividido em três níveis:

– Primário Oficial – nos meios urbanos para portugueses e filhos de assimilados;

– Primário – Posto Escolar – Nas vilas e Missões Católica, para os filhos dos operários e trabalhadores básicos;

– Primário – Monitor – para o meio rural.

Ensino secundário e formação técnico profissional

– Ensino Preparatório – dois anos após o ensino primário

– Ensino Técnico – Escolas Comerciais Ex.: actual IMEL as Escolas Industriais: O actual Makarenko

– Formação Feminina

– Formação Científica e Intelectual

– Liceus-para a formação superior (médicos, advogados e professores do liceu e agrónomos).

O primeiro Liceu construído em Angola, foi antes dos anos 60: Liceu Salvador Correia – Para os filhos dos altos Dirigentes Coloniais.

Escola de Formação de Técnicos Agrícolas

As escolas de formação de Técnicos Agrícolas, estavam subdivididas em três níveis:

– Prático-Agrícola – Básico, funcionou em Cacuso, província de Malanje;

– Regente Agrícola – Médio, funcionou no Tchivinguiro, província da Huíla;

– Agronomia Superior – pouco se desenvolveu

Formação Religiosa

Havia grandes centros escolares e internatos dirigidos por padres, onde os rapazes faziam o Ensino Médio (antigo 5.º Ano) e, depois, estudavam Filosofia e Teologia, durante 7 anos.

Muitos pais, colocavam seus filhos nesses centros e internatos designados por seminários; para terem uma jovem académica e humana mais sólida. Porém, depois do médio, começavam a funcionar nos serviços públicos.

É de frisar que a maioria dos intelectuais actuais e dos primeiros professores universitários angolanos proveio dos seminários católicos. Caso concreto, o Dr. Tchipilica, o malogrado Dr. Costa, decano da Universidade Católica, entre outros.

Sector Social

Abertura de escolas para a formação de educadores:

– Educadores de infância (Nível Básico);

– Educadores sociais (Nível Médio);

– Assistentes sociais (Nível Superior).

O acesso a essas escolas era muito limitado. A idade limite, de ingresso era:

– 14 anos para as escolas preparatórias;

– 16 anos para os liceus e escolas técnico profissionais.

No meio rural e nos postos escolares, os jovens terminavam o ensino primário, geralmente com mais de 14 anos.

No liceu, estudavam jovens portugueses, filhos de pais intelectuais ou de um nível social elevado – (a classe dirigente) e um número reduzido de filhos da elite angolana. Nas escolas do ensino técnico profissional, estudavam mais angolanos do que portugueses. Porém, também, o número de alunos era em média 15 a 20 por turma e só havia uma turma para cada curso.

É de salientar que o primeiro curso de formação feminina teve apenas três alunas; todas angolanas. Os professores das escolas secundárias, vinham de Portugal formados nas universidades de Coimbra, Porto e Lisboa; alguns eram estrangeiros.

A obra social da Maxinde (1964-1965)

Em 1964, missionários espanhóis, bascos, o Padre Pedro Uria Atucha e o Padre Luís Maria Onraita[3], criaram no bairro da Maxinde, em Malanje, uma obra de Promoção Social, onde desenvolveram o desporto futebol, basquetebol feminino e masculino, atletismo e xadrez;

Formação Feminina

– Promoveram a formação feminina nos ramos de alfabetização, culinária, corte e costura e dactilografia;

– Abriram uma biblioteca com livros académicos, científicos, históricos e romances;

– Abriram uma casa de cinema;

– Implementaram o teatro;

– Apresentavam sessões de ilusionismo com um grande dramaturgo; José Martinez, também espanhol basco;

– Realizavam excursões dentro da província;

– Realizavam acampamentos para os jovens no período de férias;

– Promoviam por intercâmbio cultural, entre os jovens da cidade e do campo;

O período pós independência foi marcado pela guerra armada entre os três Movimentos de Libertação: MPLA, FNLA e UNITA, devido a ideologias diferentes. A juventude devido a um sentimento profundo de nacionalismo aderiu a esses movimentos e foi morrendo na guerra.

O pessoal qualificado das fábricas regressou aos seus países. Muitos missionários de diversas igrejas, que implementaram projectos sociais nas suas áreas de acção regressaram aos seus países, tendo ficado esses projectos e as suas acções sociais inactivas, entre as quais, no Voga, província do Bié, em Caluquembe, província da Huíla e no Quéssua, província de Malanje.

Os internatos de jovens estudantes fecharam. A maioria dos intelectuais: Médicos, Engenheiros, Juristas e Professores regressou a Portugal, inclusive angolanos.

Houve o êxodo rural do campo para as cidades com incidência em Luanda. O povo da periferia e camponês ocupou as residências urbanas sem cultura para o efeito e foi destruindo paulatinamente essas residências e o seu recheio. Por consequência, a própria população, foi ficando com ferimentos graves e mesmo morrendo pelo mal uso dos electrodomésticos.

Os centros culturais, os cines teatros e os parques urbanos foram se deteriorando, porque os novos utentes não tinham cultura para o seu uso.

Efeitos positivos na primeira década da independência

– Ensino gratuito e obrigatório para todas as crianças sem discriminação;

– Conhecimentos gerais de outros povos em Angola e de outros continentes e outros países (chegaram os cubanos e a maioria da população não sabia que existia um país chamado Cuba);

– Implementação da alfabetização;

– Licença de parto, num período de três meses para todas as mulheres, independentemente da sua condição Civil e Social;

– Ingressos nos serviços públicos de mães solteiras;

– Registo civil de adultos e crianças sem discriminação

Estudei no liceu, porque o meu pai era funcionário público e aprovei no exame de admissão (com distinção). Contudo, éramos poucos angolanos nessa escola. Na altura da independência, Angola tinha uma carência de quadros. Hoje se reconhece essa realidade, efectivamente. Nós tornamo-nos independentes com 85% de analfabetos. E actualmente, ainda há carência de quadros.

Caminhando para o presente, considerando as dificuldades do nosso ensino, seria útil reintroduzir exames de aptidão para melhorar a qualidade de ensino e aprendizagem, porque os jovens estariam com mais seriedade e aplicar-se-iam mais.

Em relação a utilização das Línguas Nacionais e de outros aspectos culturais a abordagem social do catolicismo e do protestantismo foram diferentes, porque os protestantes primeiro estudaram as Línguas Nacionais e só depois começaram a realizar a sua actividade social.

Os católicos, até 1964, realizavam os cultos em latim e faziam o seu trabalho em português exigindo aos nativos a aprendizagem da língua utilizando muitas vezes a violência.

A par disso os missionários evangélicos vinham de países técnica e cientificamente mais desenvolvidos que Portugal, como EUA, Bélgica e Holanda.

Os tempos livres na juventude

Ocupávamos os tempos livres, brincando, cantando e dançando. Realizávamos pequenos encontros onde ouvíamos música dos Kiezos, de David Zé, Urbano de Castro e de Artur Nunes (angolanos) e de Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Nelson Ned e outros brasileiros. Ouvíamos também músicos negros americanos, Percy Sledge, Ray Charles, entre outros.

Nesses encontros, além de dançarmos, debatíamos temas culturais e científicos. E falávamos das nossas previsões sobre a futura Angola livre. No meu bairro, além  desses encontros, assistíamos filmes e realizávamos pequenos eventos, como teatro e actividades recreativas e culturais infantis.

A PROMAICA e a emancipação da mulher na igreja Católica

Uma das motivações de Dom Óscar da Mata Mourisca[4] criar a PROMAICA[5]– Promoção da Mulher Angolana na Igreja Católica foi a discriminação, a formação e a educação da mulher visando a promoção da mulher angolana na Igreja Católica. Apenas as mulheres casadas comungam, mas podiam pertencer ao grupo de acolhimento e ao canto coral,  o grupo de acolhimento integra as mulheres responsáveis pela limpeza da igreja e dos altares.

Esta é uma das razões do desenvolvimento dos grupos corais católicos, existe o grupo coral do Kilamba, são eles também que confortam as famílias angolanas durante os óbitos entoando cânticos católicos e visitam as pessoas doentes. Quando vão à Muxima trajam-se com panos e quimonos diferentes.

Este foi o trabalho de Dom Óscar Mourisca, em que toda a mulher passou a poder participar, seja solteira, seja casada ou vivendo maritalmente. Elas não podem fazer leitura nas igrejas, não podem ser catequistas e legionárias. Quer dizer, podem dar formação moral e humana às crianças, participar em actividades específicas como cozinhar e brincar com as crianças.

Quando chegamos a igreja acolhe-nos muito bem. Se alguém se sentir mal acompanha-se a apanhar ar fresco e oferece-lhes água, Outras funções incluem  fazer o peditório e  fazer propostas de utilização dos recursos financeiros recolhidos.

A formação agora é para todos. Não podem ser madrinhas, mas qualquer mãe pode baptizar o seu filho, porque a madrinha é responsável pelo afilhado no âmbito da igreja.

Dom Óscar começou o trabalho da PROMAICA em Benguela. Havia muitas mulheres na condição de solteiras que não tinham casa e com baixo nível de escolaridade.  Porque mesmo dentro da igreja eu também já vi a prática dessa discriminação:  sentaste em um sítio “você está a sentar aqui porquê? você anda na rua!”. Mesmo com este trabalho ainda há discriminação no seio dos crentes.

Culpabiliza-se sempre a mulher na religião?

E se iliba o homem, o problema não está em o teu marido “ter amantes ou outras esposas”; o problema é tu não “teres”, por exemplo se o teu marido está a atazanar por aí o que interessa “é tu não teres”, ou seja, ser fiel ao marido e  ele é que pode ser  infiel, porque será ele não poder comungar “eu posso comungar”.

Eu vi isso na minha própria família e na minha comunidade, quando eu era jovem eu vi isso em comunidades isoladas, jovens que não aceitavam a noiva porque era filho ilegítimo, era um grande preconceito, agora já não é.

Este depoimento foi realizado na residência da senhora Fátima, no dia 15 de Abril de 2024, na Centralidade de Sequele em Luanda.

Entrevista e Transcrição: Marinela Cerqueira

Publicação: Sónia C.

Palavras Chaves: Professoras de Posto| Educadora Social | Assistente Social| Obra Social de Maxinde| filhos ilegítimos| Hospital do Quéssua| Discriminação| Educação| Missão do Quéssua| beiral| PROMAICA| Dom Óscar| D. Luís Maria| Dom Muaca| Liceu Adriano Moreira|


[1] Lourenço Kitumba é o nome oficial de um dos filhos do Soba Kitumba de Malange e avô das irmãs Noémia de Fátima da Silva Lourenço e de Filomeno da Luz da Silva Lourenço Fernandes, o sobrenome paterno foi preservado como pseudônimo, familiares, amigos e a comunidade malanjina continua a chamar os membros da família  e a família por “os Kitumbas”. Filomena Kitumba filha de uma numerosa família oriunda da província de Malanje é uma das cinco filhas de Lourenço Manuel da Silva, teve quatro filhas todas formadas pelo Magistério Primário, Josefina, Fátima, Assunção e Filomena foram professoras do segundo ciclo no período colonial nas província de Malange, Kuanza Norte, Kuanza Sul, Cabinda e Luanda tendo sido professoras no ensino médio no período pós colonial. Seus irmãos seguiram outras profissões tendo se destacado como políticos de fortes convicções que se juntaram à causa de libertação nacional antes do 25 de Abril e ascenderam a cargos importantes no partido no poder até 27 de Maio de 1977. Cresceu no Bairro Maxinde em Malanje e depois da independência foi para Luanda com a sua família onde reside na Vila Alice até à data presente. https://historiasocialdeangola.org/2022/11/07/depoimento-de-filomena-kitumba-memorias-de-uma-professora/

[2] Um filólogo nas artes cênicas e no jornalismo angolano, José Mena Abrantes Meu nome é José Manuel Feio Mena Abrantes, nasci em Malange no dia 11 de Janeiro de 1945, sou o sétimo de oito filhos. Passei toda a minha infância em Malange, até aos 15 anos com algumas saídas, a primeira grande viagem foi ter ido com a minha mãe a Lisboa de barco com quatro ou cinco anos, depois até aos quinze anos, nas férias grandes vinha a Luanda com a família passar férias em casa da minha irmã.https://historiasocialdeangola.org/2023/04/04/depoimento-de-jose-mena-abrantes-um-filologo-nas-artes-cenicas-e-no-jornalismo-angolano/

[3] Basco de nascença, angolana de Missão, D. Luís Maria chegou a Malanje há 52 anos. Foi missionário ali e em Luanda. É Bispo há 15 anos e acaba de ser nomeado Arcebispo de Malanje. Ajudou os jovens a preparar a independência e a aposta agora na Família, na Reconciliação das pessoas e na reconstrução das estruturas que a guerra arrasou. De Espanha aAngola-Nasceu no país basco e, quando foi ordenado padre, partiu para Angola. Explica porquê: “As três Dioceses Bascas tinham um compromisso missionário no Equador. Em 1959 decidiram iniciar uma presença missionária em Angola. E, Deus lá sabe porquê, escolhi Angola”. E assim chegaria a Malanje, em pleno tempo colonial, sem conhecer nada nem ninguém, mas com uma grande vontade de viver com o Povo e anunciar-lhe Jesus Cristo. Até hoje: “A minha vida sacerdotal é toda angolana”.Do Cuale a Maxinde – O primeiro impacto da chegada a Angola foi a festa do acolhimento e a maravilha da novidade: “Desde o primeiro momento, senti-me em casa, mesmo que tenha parado numa Missão a 185 kms de Malanje, o Cuale”.Dois anos mais tarde, o Bispo chamou-o à cidade para lançar as bases de uma paróquia-Missão na periferia. Assim nasceria Maxinde que se tornou uma referência de pastoral e social. Sendo estrangeiros, os Padres Bascos eram olhados com suspeita pelas autoridades, uma vez que a grande aposta foi a da formação dos jovens,

[4]Angola: Faleceu, aos 94 anos, Dom Francisco da Mata Mourisca, Bispo Emérito de Uíge De nome civil, José Moreira dos Santos, D. Francisco da Mata Mourisca nasceu a 12 de outubro de 1928, na então freguesia de Mata Mourisca, de onde lhe vem o nome, diocese de Coimbra, Portugal. Os Bispos da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST) em nota agradecem a Deus pelo dom da vida e pelo serviço abnegado que ele prestou a igreja de Angola, tanto na sua amada Diocese do Uíge como nas várias Comissões episcopais onde emprestou o seu saber e a sua experiência. D. Francisco de Mata Mourisca foi nomeado Bispo da Diocese do Uíge, então Diocese de Carmona e S. Salvador, a 14 de março de 1967, com 39 anos, e ordenado a 30 de abril do mesmo ano, no Porto, Portugal. D. Francisco da Mata Mourisca pertence à Ordem dos Frades Menores Capuchinhos e foi ordenado sacerdote no Porto, a 20 de janeiro de 1952. Formado em Teologia Dogmática pela Universidade de Salamanca, Espanha, em 1957, D. Francisco da Mata Mourisca exerceu em Portugal vários cargos de responsabilidade, entre os quais o de ministro provincial dos capuchinhos. Recordar que Dom Francisco Governou a Diocese do Uíge de 1967-2008.https://www.vaticannews.va/pt/africa/news/2023-03/angola-faleceu-aos-94-anos-em-luanda-dom-francisco-da-mata-m.html

[5]A PROMAICA – Promoção da Mulher Angolana na Igreja Católica – nasceu há 30 anos na Diocese de Benguela por desejo de D. Óscar Braga e de Rosália Nawakemba. Hoje está em todas as Dioceses do país e tem futuro. A PROMAICA tem trabalhado em várias frentes, mormente na formação das mulheres para que elas sejam protagonistas do seu desenvolvimento numa perspectiva integral. E tem conseguido dar passos importantes: de forma geral, a mulher angolana está hoje mais unida, mais instruída, e tem maior consciência da sua participação civil e eclesial – considera Rosália Nawakemba. Além disso, há novos líderes à frente deste organismo que tem cerca de 95 mil membros, está presente nas 18 Dioceses angolanas e já tem uma ala jovem com quase nove mil membros. Tudo isto dá grande alegria à Rosália Nawakemba que diz estar segura de que vai haver futuro. Já D. Óscar dizia: a PROMAICA é um movimento que “vai dar cartas, pois que está a desenvolver-se bem”. Para a Rosália é obra do Espírito Santo, pois o movimento nasceu quase do nada e hoje já está presente não só em toda Angola, como também em Moçambique – refere, por sua vez a Julieta. https://www.vaticannews.va/pt/africa/news/2020-12/promaica-trinta-anos-de-caminhada-em-toda-angola.html