Contexto
A Wandi Francisca predispõe-se a partilhar suas memórias de forma virtual no Domingo de Ramos de 2024, contou-nos que a Judite havia falado do objectivo da plataforma História Social de Angola e eu queria saber o que se pretende, afinal de contas quando passamos uma mensagem na idade de 80 anos não é para algo sem objectivo. Posso começar o depoimento hoje se for preciso. A entrevista foi feita na semana seguinte.
Neste depoimento, esta descendente do soberano Ekuikui viaja pela sua vida, passada entre várias missões protestantes onde estudou e foi professora, nomeadamente Sapessi, Chilesso, Dondi e Caluquembe. Ainda, sobre a sua infância recorda a família da amiguinha que a acolheu no primeiro dia de aulas na escola MEANS, Missão do Dondi.
Inicia as memórias da fase adulta descrevendo sua religiosidade, destacando a conversão ao catolicismo pelo casamento.
Wandi Francisca é também uma das muitas angolanas que por militância ou em situação circunstancial viveram na Jamba durante os 27 anos de conflito. Neste período, continuou a dar aulas de matemática e escreveu as sebentas de matemática da instrução primária.
Desde 1992, reside em Luanda e marca este ano descrevendo o choque social dos recém-chegados da Jamba. Hospedada em uma unidade hoteleira no centro da cidade, no seu primeiro passeio pela baixa luandense, presencia uma outra versão do premiado conto “Quem Me Dera Ser Onda”, do célebre escritor Rui Monteiro. Tragicamente, um porco cai do quarto andar de um edifício e o impacto no corpo de uma senhora provoca a morte de ambos.
Esta filha de Chilesso, integra-se no terceiro sector social e caracteriza a zona da Camama onde passou a residir e a trabalhar. Na época, uma periferia afastada da Luanda antiga.
Apresenta inquietações sobre o comportamento do cidadão e do papel da sociedade civil na resolução de situações comunitárias, sobretudo na gestão dos resíduos sólidos, sem antes nos contar a origem do nome do Mercado Avó Kumbi.
A entrevista foi interativa e terminou a mesa do pequeno almoço com duas primas suas que acabaram por confirmar factos desta história de vida. Outras fontes secundárias foram apresentadas, como fotografias e cartas.
O facto de o depoimento ser realizado na sua residência 1992-2024 levou a depoente descrever as memórias do lugar da entrevista, por isso não foi necessário colocar esta questão.
Em suma, o local, o ambiente, a predisposição e elementos incontroláveis a entrevistadora e a entrevistada, no caso a chegada de familiares, podem atribuir ou prejudicar, neste depoimento constituíram uma mais-valia.
Introdução
Eu nasci em 1943, no dia 13 de Outubro, na Missão Evangélica de Chilesso onde o meu pai era Inspetor e a minha mãe cuidava do internato, vai ouvir muitas histórias sobre a dona Befídia[1]. Aquela é a fotografia da minha filha N`Gueve, conhece algum dos meus filhos? e apontando para as fotografias: uma é advogado, a outra é analista, a terceira tem duas licenciaturas, sou muito rica, já o meu marido não teve a sorte de viver esta felicidade. Ele era o meu “professor”, nesse depoimento ele ajudar-me-ia porque ele era amigo das ciências sociais. Já tenho bisnetos, os meus filhos estudam muito, saem aos pais, eu também estudei muito porque devemos estudar sempre, agora chega, vamos deixar às gerações mais novas estudarem, porque há muito para se estudar.
Eu tenho muito que contar sobre a minha vida. Quando o meu marido nos deixou, fui tirar a minha certidão e lá está escrito “filha ilegítima”. Eu sou filha do falecido pastor Feliciano, ilegítima? A filha do pastor que casava os outros, eu tenho certidão com cauda, o meu pai teve de tratar a cidadania, eu, e a minha irmã “que eu puxei” não levamos o apelido paterno Nunda, as outras já levam o nome do pai, porque quando elas nasceram ele já era assimilado, eu lembro-me destas histórias todas, já tinha certidão de verdade (referindo-se ao pai).
A Descendência do Rei Ekuikui e de Portugal
Segundo o meu pai a avó dele era branca, quando terminou a última grande guerra, ela era miúda, filha de colonos que estiveram na guerra aqui em Angola. A Filipa ficou e ao fugir, os pais abandonaram a miúda numa vala em uma baixa, então o primeiro que a viu a criou, ela não sabia dizer a idade dela, tinha doze anos e tiveram dois filhos. Estes dois filhos saíram daquele sítio e foram trabalhar e tiveram também os seus filhos. A primeira filha dos netos da Filipa (‘) foi a Natchiemba, chamava-se Judite, mas deram-lhe um nome: N´Ganguela N`Suandi que significa Filha da Guerra. Foram para Kutato, à religião que existia era a católica e quando lá chegaram encontraram a igreja protestante, foi lá onde os missionários chegaram primeiro. O meu avô Nunda, sobrinho do Soba Ekuikui, foi formado pelos missionários na Missão de Chilesso e é indicado a ser evangelista desta missão. Foi ali onde o meu avô e o meu pai nascem, o meu pai chamasse Nunda que significa Sobrinho, veja como a minha família andou “daqui para lá”.
Em relação à minha linhagem materna, a minha mãe é bisneta do soba de Ekovongo. Tanto a família do meu pai como da minha mãe tem origem no Bailundo, tiveram essas duas origens, a parte paterna de Ekovongo e a parte materna do Bié, a minha mãe também era familiar de um rei do Bié.
Eles casam-se, sempre foram missionários, por isso é que meu pai se torna pastor e a minha mãe como dizem “atrás de um grande homem vem sempre uma grande mulher”, o meu pai para fazer o que fez é porque teve uma grande mulher que o ajudou.
Hoje, o casamento é com união ou com separação de bens, eu nem entendo o que significa “com separação de bens”, no nosso tempo não havia, eu casei em 1962. O tempo que eu vivi com ele, 50 anos, pareceu-me só um dia.
O meu marido foi deputado à Assembleia Nacional, eu nunca fui dessas ciências, sempre dei aulas, agora estou reformada, nessa idade já não consigo ensinar, já me esqueço, mas não me esqueço da matemática.
O Ensino nas Missões Protestantes e o Ensino Rudimentar
No primeiro dia de aulas na escola do Dondi estava sentada a minha atrás uma menina que me disse: quer ser minha amiga, quer ser minha amiga? (pronunciando o português com a acentuação ovimbundu) A partir daí eu e a Judite tornamo-nos amigas. Era o segundo ano na Escola MEANS, os pais dela já eram professores na Escola MEANS e ela levou-me logo a mãe dela e a mãe dela diz “ai, é filha da mana Bifídea”, quer dizer as nossas mães já se conheciam também. De certeza que a minha mãe era um pouco mais velha que a tia Marta Kulipossa. Eu tinha total defesa (risos), da Judite “da mana”, eu já era defendida. Naquela altura, o pai dela, o tio Lourenço, era professor de ciências geográficas naturais. Eu tive todo o mimo, já não comia ali, ia comer a casa deles (sorrisos de alegria), a Judite era externa e eu era interna. Mas, eu era tida como filha daquelas famílias, da família Sachiambo e da família dos tios Lourenço Chinhâungua Joaquim e da Marta Evadia de Gideão Joaquim[2].
Vocês fazem parte das angolanas que estudaram em regime de internato anglófono?
Nós fomos muito bem educadas, lá tínhamos de ter um horário. Afinal, é preciso termos um sistema, como dizia o meu pai “o carro que distribui o dinheiro passa muito cedo, se atrasarem ele já passou”, isso ensinou-nos a sermos pontuais, a madrugamos, a termos respeito pelos mais velhos e pelo nosso próprio corpo. É verdade!
A entrevistadora comenta: E outro aspecto muito importante é a perda e a inversão de valores, há valores tradicionais existentes que hoje em certos momentos parecem usados de forma contrária, como o aproveitamento do alambamento que era um acto de respeito, para muitos o que interessa é a festança.
Até “vendem” os filhos, não é isso? Aquilo depois se transforma em uma forma de escravatura. Se formos uma família sem cultura, sem amor… aquela mulher, aquela filha está condenada ao sofrimento. Por exemplo, quando um moço me pretendeu, a minha mãe disse “porquê isso?”, era um moço tão bonito. Nós tínhamos de respeitar os nossos pais. A nós veio a calhar o ecumenismo, casamos com homens católicos e agora somos católicas.
Esta é a realidade, em 1943 o meu pai foi para o seminário, depois foi ordenado e fomos para um centro chamado Sapessi. O seu Loth Malheiro Savimbi[3] achou que eu estava muito avançada e devia ir para a Missão de Chilesso onde nasci para estudar, porque no centro somente se aprendia a contar em umbundu “mochi yadi tatu, mochi…” e levou-me para a missão onde já havia o ensino “actualizado”.
Às sextas-feiras tínhamos aulas de português com uma senhora branca, porque eles achavam que para ensinar “o bom português” tinham de ser professoras portuguesas. E eu fui uma das que passou para a 1ª classe, foram dois anos no centro e um ano na outra escola, depois é que passei para a primeira classe. Fiz a terceira classe rudimentar e a quarta classe. O que aconteceu comigo? Quando fiz a terceira classe rudimentar, o júri foi “programado” para reprovar aqueles alunos todos da Missão do Chilesso, talvez pela rivalidade entre aquela professora e o júri. Então, cheguei a prova do terceiro ano rudimentar, o senhor que estava a ler o texto de quem até hoje me lembro, eu saí de lá a chorar e reprovei. Neste ano lectivo apenas aprovou uma aluna do total de (32) trinta e dois alunos e na terceira classe elementar também só aprovou uma aluna, por acaso irmã daquela que passou na terceira classe rudimentar. Aqui a minha prima é que me ajudava (referindo-se a prima que tomou o pequeno-almoço com a entrevistadora), porque ela sabe deste facto, eu era chamada de Mimosa. Tinham de me levar às costas para ir à escola (risos) porque eu não conseguia percorrer longa distância, eu era muito pequena, ao invés de sete tinha seis anos e tínhamos de andar uma distância longa até ao lado português[4] da Missão de Chilesso onde a senhora dava aulas de português[5].
Então, o que acontece? Eu que nasci em 1944 para poder estudar porque ainda tinha a certidão com cauda onde está escrito “Francisca, filha ilegítima”, só porque não era da “cidadania” não podia estudar na escola pública, somente depois de ter a “cidadania”, contrariamente às minhas irmãs que já eram “as filhas do Pastor Feliciano”.Eu não quis mudar o meu estado paternal para ensinar as crianças que quando vão à escola devem estudar e é a única “coisa” que Deus nos dá.
Para poder fazer o exame da terceira classe eu tinha de ter nascido em 1943, oficialmente eu tenho mais um ano de idade, a minha certidão é de 1943.
Foi quando tive de fazer o exame da quarta classe que as coisas mudaram em Silva Porto, quando viram que nós já podíamos tirar a cauda e assim podermos melhorar o nosso standard.
Quando frequentou o ensino primário público em Silva Porto passou a ser cidadã portuguesa, passou a ser assimilada? A lei mudou, já não havia indígenas, éramos todos cidadãos portugueses?
Sim, todos já éramos cidadãos portugueses. Fiz a quarta classe na Missão do Dondi, depois entrei para o ciclo preparatório e fui indicada para ter bolsa e estudar até a 12ª classe no Liceu Silva Porto, actual cidade do Lubango.
A Professora de Matemática
Quando fui para a Missão de Caluquembe era do quarto grupo, era professora de matemática e geografia, os meus alunos eram pequeninos da turma A ou B, quando eles regressassem já não queriam ir para a turma dos colegas “nós queremos ficar com a professora Francisca”. Primeiro fui professora em Chingunji, depois fomos para Caluquembe onde fui professora da escola primária. Sempre dei matemática, e quando vamos para a Jamba escrevi as brochuras de matemática e passei a ser somente professora de matemática, eu adoro a matemática.
Memórias das Missões Protestantes
Conheci melhor Caluquembe, porque encontramos muitos colegas do meu marido que foram seminaristas, foi ali onde fiz trinta anos, como se diz “a mulher depois dos 30 é mais mulher”, onde aprendi a ser mulher. Aquela gente é muito gentil (até mesmo eu não sabia), na minha terra quando alguém está a levar os bebés às costas “…essa também!”. Mas, em Caluquembe ensinam, aquele povo é mesmo amável, você vai saber logo, se for uma menina eles dizem “Ca-ca”, se for rapaz chamam “Jonjo”. Onde cresci (pensativa), coisas até agora difíceis de recordar, mas a memória de Calacumbe jamais se perdeu, infelizmente nunca mais lá fui.
Solidariedade
O meu pai era pastor, quando fomos a Sapessi toda gente tinha medo de ir para lá, era o que as pessoas chamam terras do fim do mundo, “Matamba” significa em ovimbundu “aí é só viver”.
Na escola dominicana a mãe dizia “se ele tem duas camisas, fiquem com uma e deem a outra” e nós fizemos isso. Eu e o meu irmão, oferecemos a roupa que o pai costurava. O pai também era alfaiate e a mãe modista. Logo nos primeiros dias, aconteceu um facto marcante: a roupa com que tomávamos banho tinha de secar e no sul de Angola a roupa não seca rápido, então a tia que nos deu o banho questiona:
- oh Francisca, onde está a roupa?
- mas, essa roupa não seca agora
e a minha mãe repreendeu minha tia:
- então, tu não viste a miúda…
Nós demos a roupa. Era mesmo “civilizar”, o meu pai é que deu ao povo….
No domingo seguinte, toda a gente agradece à minha mãe. Para vestirmos aquelas crianças todas, eram cerca de oito, os meus vestidos tinham de ser abertos “pelas costas” porque elas eram mais fortes que eu.
E o meu pai diz-me:
- Porquê que vocês não me disseram que os vossos colegas não tinham roupa?
Nós tivemos de dizer ao nosso pai:
- oh papá, o papá também tinha muito trabalho e nós tivemos de tirar e dar as nossas roupas aos outros.
O meu pai foi obrigado a comprar panos e a coser roupa para todos porque nós não tínhamos mais roupa para mudar, também na escola pregava isso.
Desde criança tinha uma grande consciência social?
Sim tínhamos. Quando fui para Jamba não fui eu que dei os nomes aos meus filhos, foram os mais velhos que conheciam a minha mãe e o meu pai a quem os meus pais tinham ajudado.
O meu pai ficou na cadeia, foi para a cadeia duas vezes, no período colonial preso pela PIDE e depois da independência também foi preso por causa do nome. O meu irmão nunca foi comandante, era Chefe do Estado Maior da UNITA. Disse-nos ter sofrido muito. Encontramo-lo vivo, a mamã já era falecida, faleceu aos setenta anos, o meu pai viveu para além dos 100 anos e não tinha a pele enrugada, só estava “partido” devido ao sofrimento, o meu pai dizia “a cadeia da PIDE onde vivi no tempo colonial, comparada a do Governo de Angola é quatro vezes pior que a cadeia da PIDE”.
Uma Corista e o Hino Sivaya
Eu era do coro especial na Escola Comercial e até fui a Lisboa para cantar como aluna daquela escola. Aprendi a cantar com minha mãe, o meu pai também cantava, tinha uma linda voz, mas quem controlava mesmo o tom das vozes era a minha mãe.
Encontramos na internet o Hino Sivaya, a Ernestina Venâncio durante o depoimento falou deste hino, a Judite Luvumba fez parte deste coral quando o governador Norton de Matos visitou a Missão de Dondi (entoamos o hino), quem era o maestro?
Fala do Maestro Henrique Tchucapesse, ensaiamos o hino (encontrado na base de dados dos missionários). Sabe quanto tempo demorou o ensaio para tocarem durante a visita do Governador Norton de Matos, pergunta quem os formou? Depois, o Maestro Henrique foi levado para os Estados Unidos para se doutorar, ficou por lá, as coisas foram mudando e faleceu naquele país.
Eu já cantei o Hino Sivaya, era caloira na escola MEANS e até fui cantar a Portugal Missionário. Era um grupo selecionado, não era qualquer pessoa que ia cantar o Sivaya. Hoje, se eu não estraguei a minha voz é porque tive um marido que me dizia “não cante muito porque faz mal”.
Nós passávamos por aquele lugar e dizíamos “coitados”, tomavam banho em um riacho. Eu gostava de ensinar e de cantar, quando tinham de cantar o solfejo eu tirava tudo da garganta, ensinei todas as vozes e eles ficaram “como é que esta miúda…”. Tinha dezasseis anos quando comecei a ensinar canto, estudava na Escola Comercial Sarmento Rodrigues no Huambo e ensinei-os e eles eram seminaristas no Cristo Rei.
Casamento entre Cristãos de Igrejas Diferentes
Eu frequento vários grupos de oração, mas há grupos que surgem para rebaixar ou para criticar e quando me descarto eles não entendem, porque nós estamos para “Amar Primeiro os Outros Como a Nós Próprios”, este é o primeiro mandamento e se amarmos os outros como a nós próprios vamos perceber que “eu sou tão fraca como ele e muitas das vezes não consigo fazer o que prometi”, então que culpa é que ele tem de não saber aquilo em que eu creio? Isto é muito filosófico.
Felizmente, não tive problemas em casar-me com um homem católico, porque nos nossos tempos na escola a aula de religião e moral era dada pelos padres. Então, eu não sofri, para mim não foi novidade, enquanto alguns pensam que eu aprendi. Não, eu não aprendi! Apenas, dei um salto maior para melhor saber o que é afinal a religião católica e o porquê? Sou católica pelo casamento, casei-me no tempo do comunismo, o Bispo que me deu a primeira comunhão foi Dom Zacarias Kamuenho, a mãe dele é a minha madrinha de baptismo e de casamento de acordo aos costumes antigos.
Eles frequentam (referindo-se aos bispos) a minha casa “para uns sou madrinha, para outros mamã ou afilhada”. Fui madrinha de Dom Nambi[6], quando foi ordenado a bispo pediu-me para eu ser madrinha dele. Sabe quem convenceu o meu marido a casar comigo? Foi Dom Emídio de Carvalho e trabalhou para que eu o aceitasse. Os meus pais levaram seis meses “a dar o sim” por sermos metodistas e o meu marido ser católico, ele tinha feito uma obra de caridade quando era estudante seminarista. Nós casamos no tempo em que foi lançado o ecumenismo e contribuiu para sermos casados, mas quem incutiu na cabeça do meu marido para nos tornarmos esposos foi o Bispo Emílio de Carvalho.
Ensino nas “zonas” da UNITA, 1975
Lembro-me, em 1975 antes da independência vinha de Caluquembe, pediram-me para ir a uma conferência no Moxico. Fui de comboio e de regresso ao chegarmos ao Huambo não havia água. Estava à espera da minha filha, desciam as escadas porque já não havia elevador e passamos a ir buscar água para fazer as refeições. O Dr. Savimbi disse: vão, vocês sabem o que é a guerra? “A guerra não constrói o vestido da noiva”, a guerra não constrói, só destrói. Eu pensei “vou voltar para a barriga da minha mãe. Aquilo era só andar, os nossos filhos “era levá-los às costas”, até onde nos instalamos por um tempo e fomos andando, eu não consegui ir ao Cuangar.
Naquele bom tempo, os padres convidaram-nos para irmos a Serpa Pinto. Eu comecei a dar aulas às mulheres dos diáconos e aos catequistas, a todas que dirigem a área das mulheres e o meu marido disse “não, a minha mulher não pode ir, ela tem um bebé, não pode ir, então vou só eu”, acho que a tal viagem não chegou a realizar-se.
Serpa Pinto na altura era chamada “Serpa Pó” devido a poeira, aquilo era mesmo mato, então voltamos. Nos anos 1978-79, tive de percorrer e passei por aquele sítio onde naquela altura eu não queria ir. Andar somente, aquilo era só andar e enterramos tudo, as panelas e os objectos, porque você não pode levar tudo a cabeça, era stock na cabeça, a cozinha na cabeça, e os filhos que na altura não andavam.
Casei-me, o meu marido sempre foi professor, procurou tratar-me bem, fiz os meus filhos. Depois, fomos para as matas onde escrevi os livros de matemática, não havia livros, tirei tudo da minha cabeça, escrevi livros para o ensino primário (preparatória para a quarta classe). Algum tempo depois da nossa chegada viram: “essa gente precisa de livros”. Escrevi livros e dava aulas, sou mesmo professora de matemática, já ensinei muitas matérias.
O Lixo e a Natureza, Luanda 1992
Quando cheguei a Luanda fui para um hotel, fomos ao pequeno-almoço e comi uma banana. Fiquei todo o dia com a casca da banana na mão, estava presente a Francisca Chiteculo e ela disse-me:
- Francisca deita fora isso!
- vou deitar onde? vou sujar a minha terra, o meu lixo vai contribuir, isso é banana e depois as moscas vem, vocês não estudaram isso?
É por isso que eu sou amiga das ciências exactas porque as ciências exactas dizem-nos o que é, o que foi ontem e o que será o amanhã. O que foi ontem e o que será o amanhã? Com esse lixo todo, todos os dias, as crianças vão para escola sem ter a matéria para a idade deles, então está tudo descontrolado!
Angola não era assim, afinal nós lutamos para quê? Para melhorar ou piorar Angola? Eu já fiz 80, faz uma grande diferença. Mas, a vida é sempre a mesma coisa porque nós aprendemos todos os dias, como dizia o meu pai “quando fui para o meio dos homens voltei menos homem”. Daí a solução das ciências sociais, “digo o que eu digo, muitas das vezes não é o que eu faço”. Os meus filhos e as gentes que estamos a preparar fazem o que nós falamos e fizemos.
Memórias Marcantes
Uma vez aqui na Vila Verde o meu marido encontrou crianças a tirarem mangas e ainda por cima não estavam maduras. Passado alguns dias resolveu cortar a mangueira, já tinha cortado um ramo e chegou um colega do Uíge e disse-lhe “Oh Severiano não faça isso, não corte a árvore, isso é fruta”. A pessoa tem de deixar sempre alguma coisa neste mundo para alguém encontrar e dizer “este é o trabalho do fulano”. Ele parou, pôs a catana no jardim, todo aborrecido, porque alguém o fez parar.
Agora, a mangueira alimenta muita gente, tenho de ter alguém para tirar as mangas, quando as crianças vêm:
- mãe podemos tirar mangas?
- esperem, o “operativo” vai tirar as mangas.
Imagine, se tivéssemos cortado a mangueira, seria eu agora a pedir aos vizinhos. Agora, damos mangas as criancinhas que muitas vezes foram dormir sem jantar. Se eu puder dar uma ou três mangas a crianças, dou. Estávamos para cortá-la. Os que pediam agora já são homens e os filhos deles agora é que vem pedir mangas, às vezes chegam “avô podemos ajudar”, eu já sou avô deles! A vida tem muito disso, vamos fazer algo para um fim para alguém dizer “esse foi o trabalho do fulano”.
Desenvolvimento Social
Mas, são as ciências sociais que nos dirigem porque são as que nos podem levar ao desenvolvimento. Estamos agora na fase da restauração do país, enquanto Portugal levou quantos anos para fazer a restauração? Já faz mais de trinta anos e estamos na restauração e a dizermos porque é que lutamos. Afinal de contas, a guerra mais difícil foi a última luta, a guerra difícil foi a que mais destruiu “de um lado esteve o Jamba e de outro esteve o NGueve[7]. Foi a que mais retardou o desenvolvimento, será verdade ou não o que estou a dizer?
É mesmo assim, o professor na sala na escola do estado ensina de uma forma, para quê? Para criar um colégio; o médico no hospital do estado passa uma receita para quê? Para você ter de comprar os medicamentos na farmácia dele.
Há subida de salário, mas não há a subida das reformas. E eu tenho bisnetos que não gostam de funge, gostam de arroz. Quando vou à loja, vou comprar o quilo de arroz ao preço de ontem, vou me conformar, não é? Temos de ajudar a Deus a ajudar-nos, senão, a vida está difícil, você mesmo é que fica (referindo-se a doenças ou a morte).
A minha casa é feita de gesso e acredito que foi a causa da morte do meu marido, agora vivo nos anexos, os meus filhos dizem “a minha mãe disse que o meu pai não a deixou em um anexo”. Felizmente recebi um valor monetário, a minha nora disse-me “mãe faça a sopa de pedra”, conhece essa história da sopa de pedra? Alguém que me devia pagou um milhão (de kwanzas), então fiz a sopa de pedra: melhorei o quarto do anexo e a sala onde fazia as refeições. Comecei e o meu filho ajudou-me, devia ter feito a reforma completa, quero fazer isso, mas terá de ser quando Deus quiser.
Angola não pode estar assim conforme está. O Presidente não disse: vamos melhorar o quê e corrigir o quê? Ele não disse! Mas, cada um está a ver. Podemos melhorar pelo menos do ponto de vista feminino, nós é que geramos, nós é que educamos, mesmo trabalhando você é que sabe o que o filho vai comer.
A Cidadania e a Rede Mulher
Onde eu cresci já não havia mosquitos, já não havia moscas e nem baratas, eu só conheci baratas em Luanda. É preciso medicamentos, e mesmo se eu pulverizar os vizinhos não o fazem, eles também não têm culpa, primeiramente temos de higienizar para melhoria das condições de habitabilidade criadas pelo governo. A culpa não é do governo, é nossa, é da sociedade civil. Por exemplo, quando chegamos a este condomínio nas proximidades havia a Praça do Divórcio, fizemos o diagnóstico rural participativo e vimos porque havia tanto lixo (era a praça com os preços mais baratos). E percebemos porque lhe foi dado este nome? Tentamos organizar e eles gostaram e passou a chamar-se Praça da Avó Kumbi, tentamos melhorar, aquilo ficou muito bonito, foi um trabalho da Rede Mulher.
Hoje poucas pessoas conhecem o trabalho realizado pela Rede Mulher?
A Rede Mulher devia continuar este trabalho. Esta “guerra” da restauração do país, nós a vamos ganhar, eu não sei explicar “tem de restaurar mesmo o país”. Por exemplo, há alguns anos na primeira década deste século a Judite fez questão de nós irmos a Portugal, e queria que fossemos visitar uma instituição pública portuguesa. No caminho encontramos uma fossa aberta, a Etna Chindondo e eu começamos a comentar em umbundu “afinal o que vemos em Angola, estamos a ver agora aqui em Portugal”. Ela ligou a rádio da viatura, em Portugal, quando se diz “o povo é quem mais ordena” é verdade, coincidentemente falava-se do mesmo assunto naquela rádio. De regresso passamos pelo mesmo caminho “só se nos tivessem dito que a fossa estava aberta”.
Porque afinal o povo tem mesmo de saber o que se passa. Nós não vamos obrigar o Presidente a passar nas ruas, nós é que temos de saber como é que vamos melhorar, ainda temos tempo, melhoremos Angola!
Viajei por serviço a África do Sul, a Adis Abeba, já não me lembro “de tantos outros países que visitei na Europa”, nunca fui à China, já vi como os outros povos vivem. Em África, há áreas onde nós podemos dizer que estamos melhor, mas há outras em que eu digo que temos de trabalhar. Angola tem tudo, nós não devíamos ser pobres como estamos agora. Os nossos filhos que estudem bem, não parem de estudar, estudar, estudar e passar, os mais novos e os mais velhos façam esta vontade do povo.
A restauração leva muito tempo, eu tenho fé que vai haver mudança e a mudança não se faz com as panelas, faz-se com as mentes das pessoas. Por exemplo, eu quando acresci quartos a minha casa fiz logo uma fossa rota, eu não vou despejar água suja… A Vila Verde já passou a Vila castanha, já não é verde, já passou a esperança da saúde.
Um dia fui à missa, de regresso estavam a destruir a minha garagem, destruíram sem dó, tive de refazer a garagem no espaço onde havia a capoeira, “a senhora construiu a sua garagem no passeio”, não, o meu carro não cabia na garagem, porque o espaço era Pequeno. Chorei e a minha filha disse-me “mãe não chore”. Quase iam destruindo o carro deixado pelo meu marido. Isto é que é melhorar? O que o Presidente diz não é o que estamos a fazer.
Concelhos as Próximas Gerações
Incentivar uma boa educação e recordarmo-nos da cultura de cada povo, em Luanda temos a sorte de estarmos todos aqui representados e cada província tem os seus usos e costumes.
Há muita coisa boa que nós podemos aprender com os nossos mais velhos. O meu pai era do Huambo e a minha mãe do Bié.
A parte que nós devemos priorizar hoje é mesmo a higiene para reduzirmos a mortalidade e melhorar a saúde, podemos acabar com as moscas e com os mosquitos, se conseguirmos destruir a base da sujeira…, e não é o governo, temos de ser nós! Criamos campanhas para isso, a campanha não tem cor, melhorar pelo menos a capital. Na capital de Angola anda-se um bocado e encontramos charcos, sujeiras, não pudemos acabar com isso? A minha mãe dizia que a mosca é “doença sem convite”, ela carrega impurezas, pudemos acabar com elas! Antigamente, passavam com o fumo, agora pararam, já não vem, será que vamos também pedir ao governo para pulverizar?
“Quem Me Dera Ser Onda”
Enquanto eu andava com a minha casca de banana, nós estávamos a passar por baixo de um prédio quando cai um porco de um quarto andar e caiu por cima de uma senhora. A semelhança da história “Quem Me Dera Ser Onda”, do escritor Rui Monteiro, foi um facto naquela época. É verdade, eu vi com os meus olhos, não foi alguém que me contou, enquanto eu passeava com a minha casca de banana: Estão, a varanda com os porcos, o porco é para se criar ali? Eu não fiz a reflexão da razão de criar ali o porco.
Mas, o que mais me doeu foi a morte de uma senhora que passava em baixo daquele prédio. O porco caiu por cima dela, o porco morreu e a senhora também, aquilo era uma massa a cair por cima de um ser humano. Em 1992, foi quando encontramos Angola estragada.
Restituição dos Restos Mortais
A minha mãe morreu em Agosto de 1992 e eu cheguei depois, não assisti ao funeral da minha mãe, porque tive de vir a Luanda tirar o curso de Delegados de Lista que infelizmente não serviu para nada. Porque foi dito “Adiem as tais eleições” e nós não queremos adiar. Foi isso que provocou muitas mortes, não queremos adiar porquê?[8] O Presidente João Lourenço está a mandar enterrar os restos mortais, Graças a Deus já está a fazer coisa boa, mas não é agora que irá findar!
Refere-se ao processo de restituição dos restos mortais das vítimas dos conflitos?
Nós que perdemos os nossos entes queridos, perdi o meu irmão, ele e a mulher, o Jerônimo Domingos Nunda, irmão do General Nunda. A minha mãe “trabalhou” (mostrando uma fotografia), éramos oito, faleceu o Anastácio aos nove meses de vida e outro aos dois meses de idade. Éramos três rapazes e sete meninas, sou a mais velha, naquela fotografia estão as sobreviventes. O Nunda ficou sozinho, mas ele sempre disse aos meus filhos “olha, vocês têm de cuidar das vossas mães, cuidem-nas”. A minha irmã Eunice Inácio só tem um filho.
Trabalhei muito e depois a vida que levamos, hoje estou aqui, amanhã estava acolá. Nós já militamos, queríamos ver a nossa terra livre. Fizemos mal? Estávamos melhor no tempo colonial? Devíamos ser um estado federado.
Preservação da dieta alimentar
Acordo às cinco horas, o relógio digital acorda-me e manda-me dar umas voltas, estes aparelhos funcionam mesmo. Hoje eu acordei, bebi a minha água e depois de acabar de rezar o terço o monitor digital tirou-me da cama e mandou-me fazer exercício “eu ainda não acabei de rezar o terço e está a retirar-me da cama”, depois do exercício físico voltei para cama.
Os meus filhos cuidam da minha alimentação. Sou preguiçosa a comer, a minha filha liga-me sempre: “mãe, a mãe já comeu?”. Eu não sou muito amiga do mel e quando era criança minha mãe dizia “come, quando adoecer aprenderás que o mel em excesso mata”. O meu pequeno-almoço usualmente é igual a este que vamos ter, composto por batata doce, inhame cozido, ovos, tomate, banana, laranja, pão caseiro e manteiga industrial, a bebida é um chá de limão feito na hora com o suco de limão, tomado sem açúcar, o mesmo pequeno almoço de infância. A minha mãe ficou órfã muito cedo e cresceu com os missionários americanos com quem aprendeu estes pequenos-almoços saudáveis, isto que se come agora como a batata doce, o inhame, a abóbora, etc. No tempo da minha mãe esses alimentos já existiam, naquele tempo já comiam esses alimentos, eu tenho kizaca ao redor da minha casa, apanho e preparo. Convivi com alguns destes missionários e outros, entre os quais, Drs. Andrew, Lion, Which, Maria Cushman, Childs e sua família e com um outro missionário solteiro.
As línguas nacionais e a multa por falar Ovimbundu, 1943
A minha primeira neta falou bem umbundu e quando chegou a Luanda esqueceu-se, e lá falava muito bem, mas eu entendo também aconteceu comigo. Saí de Chipesse onde aprendi, até a chorar em umbundu, mas vou para casa da minha tia em Chilesso, onde não se falava umbundu tínhamos de falar português, não se falava mesmo umbundu “ai de ti se falas umbundu”, pagas, se não for com chicote pagava-se um angolar.
Nós, as crianças tínhamos de pagar, pagava-se na escola, o internato de Chilesso era próximo ao quintal da casa da minha tia. Para nós falarmos bem português tínhamos de ter uma professora portuguesa, eu tive uma destas professoras. No Dondi, na escola MEANS lecionavam em umbundu, saudávamo-nos em umbundu “kaukal má”, mas eu aprendi, eu pronunciava muito bem. Depois de um mês, quando chega uma professora negra diz: “não, não, não, tudo tem de ser falado em português, não falem mais umbundu nenhum”, eu gostei, passei a falar português e fui me esquecendo do umbundu.
Vou para as matas, para a resistência no Huambo e o Dr. Savimbi disse “os filhos têm de falar a vossa língua mãe, têm de ensinar as vossas línguas”. Nós, na resistência, falamos todas as línguas que Angola tem. Foi neste período em que nasceu a minha neta e ela aprendeu umbundu.
Voltamos para Luanda e o meu pai no português dele diz-nos “não fala mais umbundu, vais estragar a tua língua!”.
Não sei como as bessanganas suportam o calor da indumentária.
- não, a fábrica de panos naquele tempo era diferente e fabricava tecidos acessíveis (intervém a prima)
- e era tudo fabricado aqui em Angola, fabricamos tudo em Angola, os tecidos se adequavam ao nosso clima
- agora, importamos tecidos que não se adaptam ao nosso clima
Eu fui ao Brasil várias vezes até pensavam que eu fosse de lá. Tem a cultura deles, eles viveram muito pouco tempo sob o jugo colonial, o Gungunhana fez mesmo trabalho “eles têm a sua liberdade, a sua cultura”, lá encontramos a história bem representada até ao presente
Qual a importância da Plataforma História Social de Angola?
Obrigada, agradeço muito essa visita porque ao menos hoje não vou sair desta conversa “menos homem”. Afinal, há pessoas que se preocupam com a nossa sociedade (referindo-se a HSA). Eu sempre que tenho de fazer um trabalho procuro saber porquê e para quê e como vamos trabalhar para que nós façamos alguma coisa para deixar. Isto que vamos fazer é para deixar, não é para nós (referindo-se a este depoimento). Como se diz: se você plantar uma árvore a contar que vai comer os frutos, quase ninguém plantaria, quando se planta não é para ti é para os outros.A Plataforma HSA está a fazer um grande trabalho, a criar uma grande escola.
Este depoimento foi realizado no Condomínio Vila Verde, Camama em Luanda, 17 de Abril de 2024.
Palavras Chaves: Missão de Caluquembe| livros de Matemática| Jamba| Rede Mulher| Lote Savimbi| Escola MEANS| Hino Shivaya| Rei Ekuikui| Ensino Rudimentar|Missão de Sapessi|Missao do Chilesso
Entrevistadora: Marinela Cerqueira
Transcrição: Marinela Cerqueira
Publicação: Sónia Cançado
[1]COMO SURGE ACÇÃO SOCIAL NA IECA? A partir de 1955, a visão holística do evangelho passou a ser a maneira como a igreja pregou a Boa Nova de Cristo e necessariamente o pastor e sua família, quer dizer, esposa assumiram a liderança do programa do Melhoramento do Povo, a par e passos com outros leigos. Um exemplo claro de liderança do programa de Melhoramento do Povo num Pastorado foi do “Rev. Feliciano Nunda e sua esposa dona Benfilia, que num projecto experimental na aldeia de Sapessi fabricaram 5000 ladrilhos e 25 mil telhas em quatro semanas. Nos anos posteriores, até 1960, fabricaram telhas, tijolos e ladrilhos suficientes para sete aldeias do centro de Sapessi” (HENDERSON, 1990 p, 220). É importante saber que a acção social da Igreja teve até o ano da independência nacional duas linhas que concorriam para o mesmo fim. A primeira, da linha profissional: Saúde e educação; a segunda, comunitária: programa do melhoramento do povo. É importante também, saber que na década de 1960, o programa de Melhoramento do Povo tinha atingido o ponto mais alto da sua história, houve um entrosamento de alto nível entre a parte espiritual e social. De maneira que havia estudos bíblicos próprios dirigido para “VAKUACIPATO LA SUKU, (SOCIOS DE DEUS)”. Arquivo Sínodo Provincial do Huambo. em https://www.iecaecca.com/index.php/82-portugues/205-accao-missionaria
[2] Marta Kulipossa é o nome de baptismo e Marta Evadia de Gideão Joaquim é o nome de registo pós estatuto de assimilada.
[3] Homens de Deus Noticias e Biografias
LOTH MALHEIRO SAVIMBI, PASTOR EVANGÉLICO E O PRIMEIRO NEGRO CHEFE DOS CFB…, BIOGRAFIA
Loth Malheiro Savimbi foi o primeiro negro angolano a tornar-se chefe de estação dos caminhos de ferro. Líder reconhecido em sua geração, formou-se em 1921, em uma das primeiras turmas de graduação no Instituto Currie da Missão do Dondi, a escola para jovens das aldeias e missões nas várias estações missionárias, fundado em 1914. Esperava-se que os jovens que estudavam no Instituto Currie do Dondi aceitassem cargos em suas igrejas como professores, enfermeiros ou catequistas. Loth recusou tal designação por parte de sua Igreja em Chilesso e, em vez disso, foi trabalhar para os CFB. A Igreja e a Missão consideravam que ir para um trabalho tão secular (mundano) não era apenas um desperdício de talentos e treinamento, mas um caminho seguro para a perdição; Loth provou que a Igreja e a Missão estavam erradas. Como trabalhador ferroviário, ele provavelmente fundou mais igrejas do que a maioria dos pastores no sul de Angola. “Onde quer que estivesse estacionado, reunia alguns crentes e iniciava uma congregação que geralmente crescia por causa de seu entusiasmo e testemunho fiel”. Como Loth era muito bem educado para um angolano da época, ele começou a trabalhar como operador de telégrafo e não como ajudante de rua. Sendo africano, foi enviado para as estações mais isoladas e indesejáveis. Ao chegar à sua estação, percebeu o quanto sentia falta da Comunidade Cristã de onde vinha em Chilesso e da calorosa comunhão dos alunos do Dondi. Os Ovimbundos adoram cantar, e por isso Loth, quando estava no dever, trouxe o seu Novo Testamento e o seu hinário, reunindo dois ou três outros funcionários dos caminhos de ferro ou aldeões que se encontravam nas redondezas para ouvirem a Palavra de Deus e cantar seus louvores. Antes que Loth percebesse, uma pequena igreja havia sido formada. Logo chegou ao padre católico da área que havia um grupo de protestantes cantando hinos na estação ferroviária. O padre católico, sendo pago pelo governo colonial, tinha muitos dos poderes de um oficial português. Portanto, foi fácil para o padre ir aos supervisores da ferrovia e sugerir que Loth fosse transferido porque estava causando problemas nessa estação ferroviária em particular. Loth foi transferido com frequência porque os padres não gostavam de ter um evangélico tão fervoroso em suas paróquias ao longo da ferrovia. Após 25 anos de trabalho árduo nos caminhos de ferro, Loth Malheiro Savimbi aposentou-se, tornando-se inspetor de escola rural, desenvolvendo a rede de educação mais eficiente no Centro de Angola. Quando o pessoal missionário foi drasticamente reduzido, Loth tornou-se diretor da Missão em Chilesso. Em carta dirigida ao Rev. Henry Curtis McDowell e sua esposa Ruth, Loth escreve: “[…]… a Igreja em Angola está, por assim dizer, sendo espancada na debulha. Líderes foram mortos. Nas prisões, fomos espancados com chicotes que têm pequenos metais afiados que cortam a carne. Temos sido pressionados a renunciar a nossa fé e amaldiçoar os missionários. Porque sabemos que outros foram igualmente perseguidos, oramos por força e fé inabalável e até mesmo na prisão, testemunhamos pela oração…. Fomos perseguidos, mas não abandonados; abatidos, mas não destruídos. Nós estávamos em todos os sentidos angustiados. Eu, pessoalmente, fui preso em 15 de Março de 1967 enquanto, sem missionário na residência, eu estava dirigindo a missão de Chilesso. Eu estava na prisão no Bié por dois meses; e depois, sob pesada guarda, fui enviado de avião para Luanda, onde fiquei preso por 12 meses. Entre meus companheiros de prisão e os guardas, eu testemunhei minha fé, lendo a Bíblia e orando com eles diariamente. Dou graças a Deus que na prisão abriram-se portas de oportunidades, mesmo para autoridades de lugares altos […]…”A 3 de julho de 1973, Loth Malheiro Savimbi morre no Hospital Central da Missão Evangélica de Chissamba, na cidade de Silva Porto, em Angola… facebook.com/Biografias1noticias2pensamentos3/photos/loth-malheiro-savimbi-pastor-evangélico-e-o-primeiro-negro-chefe-dos-cfbbiografi/1041181080071827/?paipv=0&eav=AfbA9MSq_S0WPB_SS0ErwA3epVgsPfw2MUnn_616gPmhnopd8ZUFIiiX_tjrEe9OkEg&_rdr
[4] No processo de descrição da sua infância, aos olhos da depoente, a aldeia de Chilesso era a Missão de Chilesso e espontaneamente faz referência a divisão existente “o lado português da Missão De Chilesso”.
[5] Facto com outros detalhes em depoimentos de Judite Luvumba e de Ernestina Venâncio onde descrevem o processo de preparação dos alunos da Missão do Dondi para melhorarem a qualidade do aprendizado de matemática e português e consequentemente perderem a pronuncia “umbundizada” e acederem ao ensino publico https://historiasocialdeangola.org/2022/06/16/depoimento-de-judite-luvumba-as-missoes-evangelicas-e-a-educacao-em-angola-parte-1/ e https://historiasocialdeangola.org/2022/08/16/depoimento-de-ernestina-venancio-o-papel-das-linguas-nacionais-na-educacao-e-no-desenvolvimento-social-de-angola/
[6] Magazine Fim de Semana – Vivi muito tempo de guerra. Vivi a guerra dos 55 dias no Huambo. Foram horas de imensa tristeza, de luto e dor. Tenho bem a noção do que é enfrentar uma guerra e como religioso sou defensor acérrimo da paz”, relata o bispo católico do Bié. Dom José Nambi frequentou os estudos primários na Missão católica de Chinjenje, no Huambo. Mudou-se, depois, por algum tempo, para o Lobito, onde o pai trabalhava como jardineiro. “Depois regressei ao Huambo e matriculei-me na Missão do Quipeio, na antiga Vila Flor, hoje município do Ecunha, onde permaneci cinco anos. Seguidamente, passei para o Seminário Maior, mas fui forçado a abandonar os estudos devido ao eclodir da guerra e seguir outro rumo”. Ordenação aos 27 anos Nascido no município do Chinjenje, província do Huambo, em 1949, José Nambi foi ordenado sacerdote em 1976, quando tinha 27 anos. Na tarefa de sacerdócio, o actual bispo do Bié trabalhou como diácono, entre 1976 e 1978, na Igreja de São José da Caponte, no Lobito. Depois, partiu para Roma, onde estudou entre 1979 e 1984, regressando a seguir à Paróquia de São José da Caponte, até ser nomeado vigário-geral da Diocese de Benguela, em 1987. O prelado católico conta que o seu percurso de Roma até ao regresso ao Lobito, Benguela, foi muito espinhoso. “Em Roma, na Itália, eu e outros companheiros passamos por muitas dificuldades”. Em 1995, Dom José Nambi foi eleito bispo coadjutor do Cuito-Bié. A 17 de Março de 1996 foi ordenado bispo, começando a exercer funções a partir de 14 de Abril do mesmo ano. https://imgs.sapo.pt/jornaldeangola/img/file53940f79a7090suplemento_fim_de_semana_8.pdf
[7] Analogia feita aos nomes dados a menos na região ovimbundu, Jamba e Ngueve, o elefante e o leão.
[8]O facto político foi conservado por servir de contexto da importância que a depoente dá ao processo de restituição dos restos mortais, assunto social actual na época deste depoimento.